domingo, 22 de maio de 2011

Tutela dos direitos fundamentais no âmbito do Contencioso Administrativo

Os tribunais são a instituição garante da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (artigo 202º/2 da Constituição). Os tribunais também actuam para dirimir os conflitos de interesses públicos e privados. Havendo duas ordens jurisdicionais, cabe aos tribunais administrativos e fiscais o «julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas» (art. 212º/3 da CRP).

Se a violação de direitos fundamentais decorrer um litígio de natureza administrativa, isto é, fundado em normas de direito administrativo ou fiscal decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal (art. 4º/1-a) do ETAF), a competência é dos tribunais administrativos.

Como referem dois autores de uma anotação ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, «a tutela dos direitos fundamentais deve ser lida em função da cláusula geral do art. 1/1, só ingressando na justiça administrativa os direitos desses que se projectem numa dada relação ou litígio administrativo, ou seja, aqueles que se encontrem directamente fundados em normas direito administrativo ou que, fundados em normas constitucionais neutras, se manifestem no âmbito de uma relação jurídica administrativa».

Com a Reforma do Contencioso Administrativo, a defesa dos direitos fundamentais sai reforçada, com o mecanismo da intimação para protecção dos direitos, liberdades e garantias – art. 109º e seguintes do CPTA – e com a intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões – art. 104º e seguintes do CPTA.

Intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões

Este também é um modo de tutelar especificamente os direitos fundamentais. A doutrina defende a existência de um direito fundamental à informação procedimental e ao acesso aos arquivos e registos administrativos (direitos análogos aos direitos, liberdades e garantias).

Se o particular efectuar um requerimento neste âmbito à Administração, ela tem 10 dias úteis para corresponder ao solicitado. Caso o pedido formulado não seja integralmente satisfeito, o titular do direito pode, no prazo de 20 dias seguidos, requerer a intimação da Administração.

A intimação do art. 104º CPTA interrompe o prazo para a prescrição do direito de impugnação.

Intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias

Art. 109º/1: «a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131º».

Analisando este artigo podemos concluir que é necessária a verificação de três requisitos cumulativos:

i. Necessidade de célere emissão de uma decisão de mérito (final);

ii. Estarmos perante um direito, liberdade e garantia;

iii. Não ser possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar.

É de salientar o disposto no nº 3 do art. 109º que vem autorizar o tribunal a proferir uma sentença que produza os efeitos do acto devido. Isto prende-se com o facto de a própria natureza da providência (provisoriedade e instrumentalidade) não permitir a protecção devida ao direito, liberdade e garantida em causa.

Se atentarmos no 3º requisito, é possível concluir que a intimação é subsidiária face ao decretamento provisório da providência. Porém, a doutrina tem vindo a alertar para o facto de esta natureza subsidiária dever ser entendida como existente entre a intimação e os processos não urgentes complementados por providências cautelares. Assim, a subsidiariedade não seria apenas em relação ao decretamento provisório, mas também em relação ao pedido de suspensão de eficácia de acto administrativo e ao seu efeito de proibição de executar o acto suspendendo.

Cumpre, agora, perguntar quais os casos em que a tutela cautelar é insuficiente para proteger o direito em risco. Os exemplos paradigmáticos são a não autorização de exercício do direito de manifestação, quando esta foi proibida e tem de ser realizada num momento específico e também o direito à greve. Ou seja, têm de estar em causa, em momento próximo, uma situação jurídica irrepetível ou irreversível que constitua, ela própria, o direito a ser discutido no processo principal. Se não for tomada uma decisão de mérito naquele momento, poderia ficar inutilizada, por facto consumado, a decisão judicial futura. Outra situação de tutela cautelar insuficiente revela-se nos casos em que não seja possível verificar os requisitos específicos das providências cautelares.

A intimação é utilizada para que o Tribunal conheça, célere e definitivamente, o mérito da causa, reconhecendo-se que a situação em apreço carece de definição urgente e definitiva do direito aplicável ao caso.

Pode ser possível a existência uma situação em que seja necessária a tutela final urgente, conforme com o artigo 109ª do CPTA, de um direito não qualificável como direito, liberdade e garantia. No entanto, é o próprio CPTA que veda a aplicação do regime da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias a outros direitos que não estes.

Para terminar, referimos os quatro tipos de tramitação urgente:

· Tramitação menos célere (art. 110º/3) – segue a forma da acção administrativa especial, com os prazos restringidos para metade;

· Tramitação normal (art. 110º/1 e 2) – 7 dias para resposta e 5 dias para a decisão;

· Tramitação urgente (art. 111/1, primeira parte) - é reduzida para metade do prazo para audição da entidade demandada;

· Tramitação urgentíssima (art. 111/1, in fine) – realiza-se uma audiência oral no prazo de 48h, ao final da qual o tribunal profere decisão.


Raquel Lemos, aluna nº 17510

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