quarta-feira, 25 de maio de 2011

Interesse em agir, o renegado dos pressupostos processuais

Desde os seus primórdios que o Interesse em agir tem desinquietado os professores de Direito.
Os primeiros doutos a se pronunciarem sobre esta problemática foram os Professores processualistas José Alberto dos Reis e Anselmo de Castro, ambos se inclinando para a fusão do interesse com a legitimidade.
Na actualidade penso que se inverteu essa opinião, prova disso é a jurisprudência( Ver nota 1 ) que tem vindo a reconhecer na generalidade o interesse em agir como pressuposto processual, definido como consequência da sua preterição a existência de uma excepção dilatória, culminando na absolvição do réu da instância com base no disposto nos artigos 493º/2 e 288º alínea e) do CPC.
Também a doutrina vigente tem reafirmado a tendência de que o interesse em agir é um pressuposto processual relativamente às partes autónomo da legitimidade.
O Prof. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA( ver nota 2) entende que o interesse processual consiste no “interesse da parte activa em obter tutela judicial de uma situação subjectiva através de um determinado meio processual e o correspondente interesse da parte passiva em impedir a concessão dessa tutela”.
O Professor refere ainda que o interesse processual não pode ser negado ou afirmado em abstracto, apenas comparando a situação em que a parte (activa e passiva) se encontrava antes da propositura da acção com aquela que existirá se a tutela for concedida.
Por último, salienta ainda o autor que o interesse em agir é aferido pela posição de ambas as partes perante a necessidade de tutela jurisdicional e a adequação do meio processual escolhido pelo autor. Em princípio, a necessidade de tutela jurisdicional é aferida objectivamente perante a situação subjectiva alegada pelo autor.
Em suma, o autor tem interesse processual se, da situação descrita, resulta que essa parte necessita de tutela judicial para realizar ou impor o seu direito.
Se considerarmos o interesse processual como pressuposto, ele se destina essencialmente a definir as condições em que uma acção pode recorrer aos tribunais quando a situação subjectiva de que é titular não lhe atribui, no momento da propositura da acção essa faculdade.
Importa quanto a esta temática também atender aos ensinamentos do Prof. ANTUNES VARELA. Este autor considera que o interesse em agir consiste na necessidade de usar o processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção. No fundo, a existência de uma situação de carência que necessite de intervenção dos tribunais. Acrescenta o professor que se tem de tratar de uma situação de necessidade absoluta, não bastando um mero capricho, temos de estar perante uma necessidade justificável, razoável e fundada ( ver nota 3)
É agora relevante proceder à distinção entre interesse e legitimidade processual, defende a melhor doutrina que no interesse em agir determina-se as condições em que a parte pode recorrer aos tribunais, ao passo que pela legitimidade se define qual o sujeito que pode ser parte na acção.
Após se ter percorrido, muito sumariamente, a experiência deste pressuposto na área do Processo Civil, importa transpor a problemática para os campos do Contencioso Administrativo.
À semelhança do que acontece na lei processual, o CPTA não prevê expressamente o interesse em agir como um pressuposto processual, mas entende a maior parte da doutrina( ver nota 4) que no art39º do CPTA se faz referência ao pressuposto. O artigo reporta-se às situações em que o problema de reconhecimento se coloca com maior acuidade, prendendo-se a acções declarativas e de simples apreciação, que visam acorrer a lesões efectivas, resultantes da existência de situações graves de incerteza objectiva, ou ameaça de lesão, resultantes do fundado receio da verificação de condutas lesivas num futuro próximo, determinadas por incorrecta avaliação da situação existente( ver nota 5)
O Prof. Mário Aroso de Almeida transfere para o Contencioso, a posição defendida por Antunes Varela, afirmando que o “interesse em agir não se pode ter como verificado com a constatação de uma situação subjectiva de dúvida ou incerteza acerca da existência do direito ou facto ou com um interesse meramente académico de ver o caso definido pelos tribunais, exigindo-se uma situação de incerteza objectiva e grave, que resulte de um facto exterior e que seja capaz de trazer um sério prejuízo ao demandante, impedindo-o de tirar do seu direito a plenitude das vantagens que ele comporta”. No que respeita à acção administrativa comum, o art39º anexa à legitimidade o interesse processual, ao exigir a necessidade de tutela judicial, que deverá encontrar-se legitimada pela existência de uma situação de incerteza, de ilegítima afirmação, por parte da administração, da existência de determinada situação jurídica, ou de fundado receio de que a administração possa vir a adoptar uma conduta lesiva ( ver nota 6)
No âmbito da acção administrativa é entendimento geral considerar o interesse em agir como pressuposto processual, prova disso é a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul de 21 de Fevereiro de 2008, Processo nº 01145/05.
Neste acórdão determina-se que nas acções de simples apreciação, coexiste com os restantes pressupostos processuais, o pressuposto processual do interesse em agir, o qual não se confunde com a legitimidade, pois o autor pode ser titular de uma relação material controvertida e não ter, face às circunstâncias do caso concreto, a necessidade de recorrer à acção.
O acórdão completa no sentido de na acção de simples o apreciação se exige que o autor demonstre o estado actual e objectivo de incerteza do direito que se arroga e que pretende tornar certo com uma declaração judicial, pelo que, sendo o estado de incerteza sobre determinada situação possibilita a instauração de uma acção de simples apreciação, tem de ser um estado de incerteza objectivo, não podendo ser colocada uma mera questão jurídica, que se reconduz a um problema de interpretação.
Apesar do art39º do CPTA ser o único que refere expressamente o interesse processual, no âmbito da acção administrativa comum, há autores que defendem que as razões que justificam a existência do pressuposto nesta norma também devem aplicar-se à acção administrativa especial, mormente artº55º/1 a) prevê interesse directo e pessoal, não deverá também haver interesse em agir?
O professor Viera de Andrade entende que sim, mas passamos de um campo verdejante na acção administrativa comum, para um campo pantanoso na acção administrativa especial.

1- Neste sentido, Acórdãos do STJ: data 11 de Janeiro de 2007 (relator: PEREIRA MADEIRA), data 16 de Setembro de 2008 (relator: FONSECA RAMOS), Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa: data 6 de Novembro de 2008 (relator JORGE LEAL), Acórdão Relação de Évora: data 12 de Julho de 2007, entre outros…
2- MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “As partes, o objecto e a prova na acção declarativa”, 1998.
3- ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, 1985
4- MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Comentário ao código de processo nos tribunais administrativos, pag258
5- MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Elementos essenciais e pressupostos do processo administrativo
6- VIEIRA DE ANDRADE, A justiça administrativa, Lições 10ºedição 2009


Ana Pascoal
Nº 17573

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