domingo, 15 de maio de 2011

O decretamento provisório da providência cautelar: a problemática da subsidiariedade da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias

Com o regime do art.131.º, trata-se de antecipar, a título provisório, para dar resposta a situações de especial urgência durante a própria pendência do processo cautelar, a concessão de uma providência cautelar, que, depois, cumprirá decidir se também deve valer durante a pendência do processo principal.


Este instituto funciona como uma espécie de tutela cautelar de segundo grau[i], que visa, evitar o periclum in mora do próprio processo cautelar, prevenindo os danos que, para o requerente, possam resultar da demora deste processo.


O decretamento provisório é concedido no início do processo cautelar (em momento preliminar ao da decisão desse processo), vigorando apenas durante a pendência do processo cautelar, até ao momento em que este venha a ser decidido.



Nos termos do art.131.º, n.º2 do CPTA, nada parece justificar, à luz do princípio da tutela jurisdicional efectiva, que o decretamento provisório tenha de ser pedido logo no próprio requerimento mediante o qual é intentado o processo cautelar, a que se refere o art.114.º. Seguindo a posição de Paulo Pereira Gouveia[ii], mário aroso de almeida e Carlos esteves cadilha[iii], não é de excluir que a evolução das circunstâncias ao longo do tempo da pendência do processo cautelar possam vir a exigir um decretamento provisório que não se justificava de inicio (no momento em que o processo cautelar foi intentado).



Coloca-se, ainda, a questão de se saber se o decretamento provisório tem de ser requerido ou se pode ser decido oficiosamente pelo juiz, por aplicação directa do n.º3, quando o juiz no despacho liminar (art.116.º), reconheça a existência de uma situação de especial urgência, designadamente pela possibilidade da lesão iminente e irreversível de um direito, liberdade ou garantia. Da análise do art.131.º, n.º3, a doutrina[iv] tem entendido que o juiz, deve poder decretar provisoriamente a providência requerida atendendo ao princípio da tutela judicial efectiva.



O pedido de decretamento provisório de providências cautelares não dá origem a um processo cautelar especial, mas a um incidente do processo cautelar, que torna necessária a prática de actos e termos não compreendidos na estrutura própria do processo cautelar.


O art.131.º apresenta duas fases de tramitação, previstas no n.º3 e 6 do art.131.º. Na primeira fase regulada no n.º3 o tribunal, em 48 horas e, por regra, sem contraditório “decreta a providência provisória”; na segunda fase, regulada no n.º6, e primacialmente destinada a assegurar o contraditório, é dada ao juiz a possibilidade de rever a decisão tomada.



Importa, ainda, referir que no âmbito do decretamento provisório, o periculum in mora é qualificado, na medida em que não se circunscreve apenas à morosidade do processo principal, mas, sim, à morosidade do próprio processo cautelar, “não está, na verdade, em causa o perigo da constituição de uma situação irreversível se nada for feito até ao momento em que venha a ser proferida sentença no processo principal, mas o perigo da constituição de uma situação irreversível e nada for feiro de imediato, antes ainda do momento em que virá a ser decidido o próprio processo cautelar [v].



Passando agora ao ponto central desta análise, importa atentar na articulação do regime do art.131.º com o regime do art.109.º do CPTA (intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias).


Como vimos, o regime do art.131.º pretende dar resposta a situações em que a célere emissão de uma decisão sobre o mérito da causa não é indispensável para proteger os interesses do requerente, sendo, par o efeito, suficiente o decretamento de uma mera providência cautelar, desde que se assegure que a providência é decretada com a maior urgência, imediatamente após o momento em que seja solicitada. É neste ponto, em que estando em causa direitos, liberdade e garantias, radica a delimitação entre o campo de aplicação do art.131.º e do art.109.º


A intimação urgente foi de certa forma concebida, para suprir as insuficiências inerentes a um processo cautelar, que resultam precisamente de ele ser cautelar, provisório e instrumental.


A intimação para protecção de direitos, liberdade e garantias prevista no art.109.º, não é mais do que um processo urgente e principal, caracterizado por uma tramitação sumária e dirigido à produção de uma sentença de mérito e, portanto, definitiva. Este processo deve ser utilizado, como refere Fernanda Maças[vi], “quando for indispensável para assegurar, em tempo útil, o exercício de um direito, liberdade ou garantia e não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar”.


Assim se o particular não puder aguardar que o juiz de uma eventual causa principal se pronuncie sobre a situação requerida sob, pena de ver os seus direitos fundamentais lesados, então deverá lançar mão da intimação urgente.


Por conseguinte, não faz sentido recorrer-se ao decretamento provisório, quando o mérito da causa deva ser resolvido de forma imediata e definitiva, isto é quando a própria “natureza das coisas” não se compadece com uma definição cautelar.


O decretamento provisório da providência cautelar que se destina a tutelar direitos, liberdades e garantias, insere-se no âmbito de uma decisão urgente, mas que se satisfaz com uma decisão provisório, até que no âmbito do processo principal se definitivamente a questão de fundo. Trata-se de uma composição provisória e instrumental do litígio, que se mostra suficiente para proteger os direitos, liberdades e garantias em causa, desde que a providência seja decretada com a máxima urgência, após o momento da sua solicitação.


Assim sendo, ao contrário da intimação urgente, o decretamento provisório, é um processo que se caracteriza essencialmente pela sua provisoriedade e instrumental idade. No âmbito do processo, o juiz deve verificar a possibilidade de decretar uma providência a título provisório, que vigorará durante a própria pendência do processo cautelar, isto é durante o tempo normal que este processo leva a decorrer. Trata-se de situações urgentes em que não se pode aguardar pela sentença cautelar, tornando-se necessário antecipa-la[vii].



O decretamento provisório de providências cautelares permite, assim, obter, num prazo que, em situações de extrema urgência, pode ser, tal como na intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, de 48 horas, a adopção de providências cautelares dirigidas a impedir a lesão iminente e irreversível de direitos, liberdades e garantias[viii]. Cabem neste âmbito, situações em que a célere emissão de uma decisão sobre o mérito da causa, que ponha definitivamente termo ao litígio, não é indispensável para proteger o direito, liberdade e garantia, bastando, para o efeito, o decretamento de uma regulação meramente provisória.


Quanto o regime do art.109.º, subjazem situações em que é urgente a obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa[ix].



Questão pertinente, que importa, colocar é a de saber qual deve ser a decisão do juiz quando venha a constatar, em concreto, que a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não é o meio processual adequado para uma determinada causa.


A doutrina[x] tem entendido que o pedido formulado deve, neste casos, ser requalificado como pedido cautelar, ou seja, o juiz deve convolar, oficiosamente o processo de intimação em processo cautelar e sendo, caso disso, com decretamento provisório. Contudo, pode o interessado pedir o decretamento de providência cautelar, quando os efeitos pretendidos apenas devam ser obtidos mediante prolação de uma decisão urgente. Nestes casos, caberá abrir duas hipóteses: a primeira, a de recebida a petição inicial de decretamento de providência cautelar, o juiz constatar que este não é o meio processual adequado à tutela dos interesses em litígio e, no momento enunciado no art.116.º, convolar o processo cautelar em processo de intimação que, a partir desse momento, seguirá a tramitação prevista para este meio de tutela principal urgente, adoptando-se um dos quatro passos enunciados nos arts.110.º e 111.º; a segunda hipótese, e a da necessidade de conhecimento urgente de mérito da causa só se tornar evidente depois da citação do requerido, nesta situação devemo-nos socorrer do expediente consagrado no art.121.º, antecipando o juízo sobre a causa principal, pressupondo que estejam reunidos os pressupostos previstos, nomeadamente, quando estejam em causa questões que o justifiquem pela sua natureza e pela gravidade dos interesses envolvidos e tenham sido trazidos aos autos todos os elementos necessários para o efeito[xi].



Em suma, pelo exposto, é coerente afirmar que a problemática da subsidiariedade da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, em última analise, acaba por se reconduzir em saber no caso concreto, quando é que as pronúncias de mérito são necessárias para acautelar a causa, em confronto com uma mera pronuncia provisória e instrumental, providenciada pela tutelar cautelar urgente.


Por outro lado, sempre que o juiz for chamado a proferir uma intimação para protecção de direitos liberdades e garantias, e verifique não se encontrarem preenchidos os pressupostos de que depende este meio processual, por “ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no art.131.º [xii], o juiz deve proceder à convolação oficiosa do processo num processo cautelar para efeitos do disposto no art.131.º. Tal actuação enquadra-se no âmbito do principio da tutela judicial efectiva e do imperativo constitucional relativo á efectividade dos direitos, liberdades e garantias.



Estela Guerra, n.º 17269









[i] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010, p.452.



[ii] Paulo Pereira Gouveia, As realidades da nova tutela cautelar administrativa, CJA n.º55, p.14.



[iii] Mário Aroso de Almeida e Carlos Esteves Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativo, Almedina, 3.ª edição, 2010, p.871



[iv] Mário Aroso de Almeida e Carlos Esteves Cadilha, Comentário ao Código …, op. cit. p.871, e Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 11.ª ed., Coimbra, 2011, p.323



[v] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo…, op. cit., p.456



[vi] Fernanda Maças, Meios Urgentes e Tutela Cautelar- Perplexidade quanto ao sentido e Alcance de alguns Mecanismos de Tutela Urgente, A Nova Justiça Administrativa, Centro de Estudos Judiciários, Coimbra Editora, 2006, p.94



[vii] Concluindo o processo cautelar o juiz decidirá se a providência se deve manter durante a toda a pendência do processo principal, se deve ser alterada ou se deve pura e simplesmente ser levantada.



[viii] Veja-se o exemplo, referido por Mário Aroso de Almeida e Carlos Esteves Cadilha, Comentário ao Código …, op. cit. p.728,: da recusa do visto de permanência de um cidadão estrangeiro no território nacional, como é evidente, a questão não tem de ser decidida de imediato, podendo ser alvo do decretamento provisório de providência cautelar. Se o tribunal emitir uma providência cautelar para que o interessado permaneça em território nacional, ele não está, desse modo, a dar em definitivo o que só uma decisão sobre o mérito da causa pode proporcionar. Pelo contrário o estrangeiro pode permanecer em território nacional durante o tempo em que esteja pendente o processo principal e vir a ser expulso se esse processo for julgado improcedente, logo, aqui não se justificaria, a utilização do regime do art.109.º.



[ix] Veja-se o exemplo, referido por Mário Aroso de Almeida e Carlos Esteves Cadilha, Comentário ao Código …, op. cit. p.729: referente a uma manifestação por deslocação de uma personalidade estrangeira a Portugal, neste caso não poderá ser decretada uma providência cautelar, uma vez que, a realização da manifestação não pode ser autorizada a título precário e provisório. Se o tribunal emitisse uma providência cautelar estaria a tornar o processo principal inútil, estaria a dar o que cumpre à sentença final dar.



[x] Nesse sentido: Mário Aroso de Almeida e Carlos Esteves Cadilha, Comentário ao Código …, op. cit. p.729; e Sofia Ventura, Decretamento provisório de Providências Cautelares no contencioso administrativo, Revista de Direito Público e Regulação- Centro de Estudos de Direito Público e Regulação, n.º5, Março de 2010, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 116-117.



[xi] Este requisito é de suma importância, já que operando a convolação, é de admitir que o requerente da providência convolada em intimação seja convidado a aperfeiçoar a sua petição.



[xii] Art.109.º, n.º1 do CPTA.

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