terça-feira, 3 de maio de 2011

Paralelismo entre a Acção Administrativa Comum e a Acção Administrativa Especial – Pós-reforma

Um princípio que se pode extrair do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos (doravante, CPTA) é o princípio da simplificação da estrutura dos meios processuais consagrados no contencioso administrativo português.
No art. 268º/4 CRP vem consagrado o direito fundamental a uma tutela efectiva e plena dos particulares, considerado pelo Prof. Vasco Pereira da Silva como a “pedra angular” do Processo Administrativo.

Com a reforma do Contencioso Administrativo, o CPTA regulou diferentes formas de processo ou meios processuais.

Por forma de processo entende-se o “conjunto ordenado de actos e formalidades que devem ser observados na propositura e desenvolvimento da acção em tribunal”.
Os modelos de tramitação pelos quais devem passar os diferentes processos são estabelecidos por lei e vão desde o momento em que a acção é proposta perante o tribunal até ao momento em que este vem a proferir a correspondente decisão, isto respeitando o princípio da tipicidade legal das formas de processo.
Esta previsão deve-se a uma opção do legislador que, nas palavras do Prof. Vasco Pereira da Silva, adoptou um método mais próximo do modelo latino (direito italiano, espanhol e mesmo francês) em que se unificou todos os meios processuais, independentemente dos pedidos ou dos efeitos das sentenças, mesmo que, atendendo às formas de processo principais, se tenha optado por consagrar uma dicotomia de meios processuais: acção administrativa comum versus acção administrativa especial.
A intenção do novo CPTA é fazer com que os “diferentes tipos de pretensões deixem de ser artificialmente associados a meios processuais sem forma de processo própria que os diferencia, para passarem a ser reconduzidos às formas de processo que efectivamente existem no contencioso administrativo.”
Existem duas tramitações (acções) principais no novo contencioso administrativo, sendo que os processos deverão seguir uma delas, art. 35º in fine do CPTA, assim:

a. Acção administrativa comum que vem substituir basicamente a tramitação seguida no contencioso das acções. Remetendo esta acção para o modelo do processo civil de declaração, mas enquanto o contencioso das acções remetia só para o processo civil na forma ordinária, agora a remissão passa a ser feita também para a forma sumária e sumaríssima;

b. Acção administrativa especial que obecede a um modelo específico, já próprio do contencioso administrativo e que corresponde ao antigo recurso contencioso de anulação. Rege-se pelas disposições previstas no Título III, logo, observa, como determina o art. 46º, nº1, a tramitação regulada no capítulo III desse título, que consta dos arts. 78º e ss. Portanto, a acção administrativa especial segue um modelo de tramitação próprio, devidamente regulado no CPTA.

Em termos genéricos, a nova contraposição que o CPTA estabelece entre as duas formas de processo principais permanece fiel à matriz do contencioso administrativo português e que, no essencial, assenta no mesmo critério, de saber se o processo diz ou não respeito ao exercício de poderes de autoridade por parte da Administração. Sempre que no processo não sejam deduzidas tipos específicos de pretensões, o processo deve ser tramitado segundo a forma de acção administrativa comum, art. 37º CPTA.
Como resulta do disposto nos arts. 46º e 47º, trata-se de estabelecer um conjunto de regras particulares, próprias à accionabilidade de cada um dos tipos de pretensões aí previstos, pressupondo que (quase) todas elas são accionadas na acção administrativa especial e que, justificando-se, elas possam ser cumuladas entre si, como podem ser cumuladas outras pretensões, às quais, se isoladamente formuladas, correspondem à forma da acção administrativa especial.

Como já referido, o CPTA estruturou a tramitação dos processos principais em torno de dois modelos principais, mas agrupou também, no Título IV, os ‘processos urgentes’, tratando-se de um conjunto heterogéneo de processos que, ou seguem uma tramitação própria, estruturada em termos céleres, ou, seguem o modelo da acção administrativa especial, mas com adaptações destinadas a torná-lo mais célere.
De qualquer maneira, está-se perante tramitações total ou parcialmente diferenciadas, isto é, formas de processo distintas das formas de processo principais.

A) Acção Administrativa Comum

Caracteriza-se por admitir a dedução de pedidos de condenação, de mera apreciação e constitutivos, sempre que não tenha sido emitido nem se pretenda a emissão de um acto administrativo ou de uma norma – Título II.

O CPTA continua a distinguir os litígios que, dentro do âmbito de jurisdição administrativa, digam respeito à prática ou omissão de actos administrativos ou de normas, contendem com o exercício de poderes de autoridade por parte da Administração, daqueles que, pelo contrário, não têm essa característica.
Ou seja, os primeiros equivalem à acção administrativa especial, uma vez que têm implicações e colocam exigências que justificam uma atenção especial e, os segundos, não necessitando de uma tramitação específica, correspondem à acção administrativa comum.

A acção administrativa comum corresponde ‘ao meio processual que, podendo culminar com sentenças condenatórias, de simples apreciação e constitutivas, recebe no seu âmbito todos os lítigios jurídico-administrativos excluídos pela incidência típica dos restantes meios processuais”.

Dizer que determinado tipo de pretensões segue a forma de acção administrativa comum, com o CPTA, é como dizer que a tramitação de tais pretensões segue a forma do processo declarativo do CPC.

De todas as disposições relativas à acção administrativa comum, uma das mais importantes é a do art. 40º, visto que amplia a legitimidade para fazer valer a validade, total ou parcial, dos contratos celebrados pela Administração Pública e para suscitar questões relativas à execução desses contratos, bem para além das partes na relação contratual.

Concluindo, a ação administrativa comum é a forma de processo correspondente a todo e qualquer processo em que a pretensão é a condenação da Administração no cumprimento de deveres de prestar que não envolvam a emissão de um acto administrativo impugnável, nem sejam pretensões de um dos dois processos urgentes que o CPTA prevê.

B) A acção administrativa especial

Esta acção reporta-se à prática ou omissão de actos administrativos ou de normas – Título II.
Isto é, reporta-se a manifestações de poder público.
Normalmente, a acção administrativa especial está associada a um procedimento administrativo e a interesses públicos cuja tutela no processo merece uma especial atenção. E isto é o ponto central deste modelo, com o âmbito de aplicação que lhe corresponde.

Diferencia-se do antigo recurso contencioso pela importância que “confere ao envio, por parte da entidade demandada, do processo administrativo respeitante ao acto administrativo ou à norma emitidos ou omitidos (porventura, recusados) (art. 84º), pela intervenção do Ministério Público, guardião da legalidade do interesse público e dos direitos fundamentais (art. 85º), e por uma certa propensão para prescindir da existência de instrução e de oralidade, ao admitir que, em muitos casos, as questões poderão ser analisadas e decididas sem necessidade de produção de prova, designadamente por matéria de facto, documentalmente fixada, não ser controvertida (arts. 90º e 91º)”.

A acção administrativa especial segue uma tramitação estruturada, em torno da questão do exercício de poderes de definição jurídica unilateral.

É necessário ter noção que as diferentes pretensões não se dissolvem nem perdem a sua identidade própria por seguirem os termos de uma mesma forma de processo.
Nesta perspectiva, não se pode confundir entre os diferentes tipos de pretensões que podem ser accionados segundo a forma de acção administrativa especial e a diferente tramitação a que obedece a respectiva dedução em juízo. Isto porque, as pretensões têm a sua natureza própria e o seu próprio regime substantivo e a dedução de cada tipo de pretensão obedece a requisitos específicos regulados separadamente no CPTA – arts. 50º e ss..

Bibliografia:

“Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Prof. Vasco Pereira da Silva
“Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”
"O Novo Regime dos Processos nos Tribunais Administrativos", Mário Aroso Almeida
Inês Silva, nº 17314, subturma 5

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