sexta-feira, 29 de abril de 2011

Condenação da Administração à prática de acto devido

A acção administrativa especial tem por objecto pretensões que emergem da prática/omissão de actos administrativos, podendo ser anulados ou podendo ser pedida a condenação da administração à prática desses actos.
Esta condenação à prática de acto legalmente devido é como se fosse uma subespécie da acção administrativa especial. Com o requerimento dá-se a conhecer à Administração o sucedido bem como faz nascer o dever de existir uma resposta desta ao particular.


Com a revisão de 97 é estabelecido que a prática de acto legalmente devido é uma garantia da tutela dos direitos dos particulares, estando consagrado no art.268ºnº4, da CRP.
No CPTA vem regulado no art.66º o pedido, que tem por base a condenação da entidade, que recusou ou omitiu certo acto, à prática do mesmo, sendo este acto administrativo;dúvidas houvessem quanto a natureza destes actos, por na epígrafe apenas constar "acto", está presente de forma expressa por ex, no art.2ºnº2 alínea i) do CPTA.
Podemos constatar uma inovação face ao conteúdo deste artigo, na medida em que, o juíz não dava ordens á Administração Pública(doravante designada por AP) tendo em conta o princípio da separação de poderes, mas na realidade condenar a AP á prática de um acto não é o mesmo que se substituir a esta na prática dos mesmos.
Como tal, vemos este pedido como uma forma de reação do particular quando lhe é negado, por acção ou omissão da AP um interesse legalmente protegido. pretendendo-se obter a condenação da entidade que deveria ter praticado o acto ou que ilegalmente o recusou, a adoptar o comportamente devido, em certo prazo.
De acordo com o referido artigo pode ainda ocorrer a substituição de um acto, que foi anteriormente praticado e que tenha sido desfavorável, por um favorável ao particular.
A causa de pedir é então, para o autor, o acto que não foi praticado e deveria ter sido?Ou será que, mesmo tendo sido praticado na verdade não satisfez todas as pretensões desejadas pelo autor? É uma questão controversa na doutrina, discordando o Professor Vasco P.Silva do Prof, Vieira de Andrade.
O professor Vasco P.Silva entende que o objecto do processo não abrange a acção de condenação à prática de acto devido no seu todo, pelo que, o importante é o particular e a sua pretensão e não o acto que constitui o indeferimento, logo por um lado, importa a conduta da AP a que o particular tem direito e não tanto o acto praticado, sendo que por outro o objecto desta acção é um direito subjectivo do particular.
Encontra-se no art.71º/1 do CPTA a ideia subjacente de que está em causa o próprio direito e não o acto em si, pois o tribunal pronuncia-se sobre a pretensão do inrteressado, o alcance e existência do direito deste.
A legitimidade para apresentar este pedido vem regulada no art.68ºCPTA cabendo assim :

-ao titular de interesse legalmente protgido;
-a PC públicas, privadas;
-ao MP
-a pessoas e entidades referidas no art.9ºnº2;

No que respeita à legitimidade do MP pode observar-se uma componente objectivista num quadro em que o pedido, tendp em vista a satisfação de interesses legalmente protegidos do autor, tem assim um alcance subjectivista, pelo que terá legitimidade ainda na acção colectiva, pública e popular.Esta legitimidade é para os actos negativos?ou antes para as omissões? Será para os casos de actos de conteúdo negativo, contudo,entende que tem o MP legitimidade para ambos o Professor Vieira de Andrade.
O pedido é formulado de acordo com os prazos previstos no art.69ºCPTA, aplicando-se a regra geral do art.59ºCPTA- o prazo corre desde a data da notificação.
No caso de existir um deferimento tácito não é pedida a condenação à prática de acto devido, salvo duas excepções :

- deferimento tácito ser parcial;
- deferimento total mas no qual seja necessário perceber a fundamentação;

O particular pode ainda cumular o seu pedido quando, na pendência do processo tenha sido notificado um acto de indeferimento, ou ainda quando o acto praticado não satisfaça as suas pretensões.
O tribunal pronuncia-se então, com uma acção condenatória do órgão à prática do acto, art.71º/1 CPTA, eliminando o acto anterior, caso tivesse ocorrido, e quando necessário, pode ainda o tribunal determinar sanções pecuniárias que previnam o incumprimento, art.66/3 CPTA.


quinta-feira, 28 de abril de 2011

CASO PRÁTICO SIMULAÇÃO

O Governo português, na sequência do empréstimo extraordinário para o reequilíbrio finaceiro, comprometeu-se formalmente com o FMI, o BCE e a comissão da União Europeia a diminuir em dez por cento o montante dos salários auferidos em todos os empregos públicos, assim como a suspender todas as iniciativas conducentes à realização de investimentos públicos extraordinários, nomedamente as destinadas à construção do segundo aeroporto de Lisboa.
João Àrasquinha, que trabalha no Ministério da Economia, está particularmente revoltado pois, ao mesmo tempo que sofreu pela primeira vez, no pagamento de Maio deste ano, a referida redução salarial, ouviu na Comunicação Social notícias que punham em causa a suspensão da construção do novo aeroporto, em razão dos compromissos antes assumidos. Tendo sabido pelo filho, Francisco Espertalhão, das novas possibilidades abertas pela reforma do Contencioso Administrativo, resolveu impugnar o montante salarial obtido no presente mês, alegando a violação do seu direito fundamental ao trabalho e das garantias constitucionais dos funcionários públicos, ao mesmo tempo que pedia a condenação do Estado a que pusesse imediato termo à construção do segundo aeroporto de Lisboa. Na sequência da abertura do referido processo, a empresa Sóbetão pretende, à cautela, intervir como contra-interessada, para a defesa dos contratos, por si celebrados com o Governo português, destinados à construção do segundo aeroporto de Lisboa, alegando que o que está aqui em causa é uma decisão política, que não pode ser resolvida por um qualquer tribunal.


Quid iuris?



(N.B. Trata-se de uma hipótese meramente académica pelo que qualquer semelhança com factos e personagens da vida real é pura coincidência O presente texto constitui apenas uma hipótese de trabalho, destinado a delimitar as questões jurídicas objecto da simulação, podendo (devendo) os pormenores concretos do caso ser completados ou reconstruídos, na simulação de julgamento a realizar em cada uma das turmas).

quarta-feira, 27 de abril de 2011

A Legitimidade Processual

A legitimidade é um pressuposto processual que tem como objectivo conferir aos titulares da relação material controvertida o direito de ser parte em processo judicial a fim de dar sentido útil às decisões dos tribunais.
De acordo com a lógica clássica, a legitimidade constituía o critério de acesso ao juiz e era determinada em razão do interesse directo, pessoal e legitimo dos particulares no afastamento do acto administrativo da ordem jurídica. Actualmente, a legitimidade decorre também da alegação da posição de parte numa relação material controvertida, o que significa que o critério é agora o da atribuição da legitimidade “ em razão da posição dos sujeitos e da alegação de direitos e deveres recíprocos, na relação jurídica substantiva”.
Ora, a legitimidade enquanto pressuposto processual tem consagração legal no artigo 9º e seguintes, artigo 55º e 57º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA). Posto isto é necessário distinguir entre legitimidade activa (prevista no artigo 9ºCPTA) e legitimidade passiva (a qual se encontra estabelecida no artigo 10ºCPTA):

- Quanto à legitimidade activa verifica-se que o artigo 9º/1 do CPTA estabelece a sua regra geral e cabe tanto a particulares como a entidades públicas. Por sua vez o artigo 9º/2 do CPTA prevê uma extensão da legitimidade processual a quem não alegue ser parte numa relação material que se proponha submeter à apreciação do tribunal, sendo assim consagrado neste artigo a acção popular, que já merecia protecção no art.52º/3 da Constituição da República Portuguesa. Existe então uma extensão da legitimidade a todas as entidades mencionadas no citado artigo e é-lhes ainda conferido o direito a recorrer a qualquer meio processual, principal ou cautelar, do contencioso administrativo. Este preceito tem em vista o exercício por parte dos cidadãos, do direito de acção popular. Esta traduz-se num alargamento da legitimidade processual activa a todos os cidadãos, independentemente do seu interesse individual ou da sua relação específica com os bens ou interesses em causa.
Deste modo é de referir que nos termos do 9º/1, o contencioso administrativo, com a intervenção dos particulares individualmente considerados, assume a sua função predominantemente subjectiva (de protecção dos direitos dos particulares), já no âmbito do 9º/2 CPTA acaba por assumir uma função objectiva, pois, consagra a tutela da legalidade e do interesse público, a qual é realizada mediante a acção popular, como já foi referido anteriormente.


- Relativamente à legitimidade passiva a regra geral resulta do artigo 10ºCPTA. A legitimidade passiva, caberá em princípio ao titular do dever na relação material controvertida, em regra, uma pessoa colectiva pública, mas também aos terceiros contra-interessados, enquanto prejudicados directos com a procedência do pedido. Contudo, tal como refere Vieira de Andrade, poderá também suceder que os pedidos sejam dirigidos contra sujeitos privados, “ quando estes, pela actividade que desenvolvem, sejam equiparados a entidades públicas, quer quando estejam em causa pretensões contra eles de outros sujeitos privados, perante a inércia administrativa ou mesmo de pessoas colectivas publicas que não possam ou não queiram utilizar os seus poderes de autoridade”.

Por fim, uma breve nota quanto aos requisitos do carácter directo e pessoal presentes no artigo 55º CPTA. Quanto ao carácter pessoal verifica-se que aqui o impugnante é considerado parte legitima porque alega ser ele próprio o titular do interesse em nome do qual se move no processo. Quer isto dizer que exige-se que a utilidade que o interessado pretende obter com a anulação ou a declaração de nulidade do acto impugnado deva ser uma utilidade pessoal, isto é, que ele reivindique para si próprio. Já o carácter directo do interesse está relacionado com a questão de saber se existe um interesse actual em pedir a anulação ou a declaração de nulidade do acto que é impugnado, ou seja, se o titular do interesse tem necessidade de tutela judiciária. Assim, verifica-se que o requisito do carácter directo prende-se com a questão do interesse processual em agir, segundo o Professor Mário Aroso de Almeida.

Conclui-se que a legitimidade apresenta-se como o pressuposto cujas regras determinam quais as pessoas adstritas que efectivamente podem e/ou devem fazer parte no processo, deste modo é de afirmar que a sua aferição é bastante importante para dar ou não seguimento ao processo.

Tramitação da Acção Administrativa Especial

A tramitação da acção administrativa especial possui as seguintes fases:

  • Fase dos articulados

Petição inicial

Intervenção da secretaria

Contestação da entidade administrativa e dos contra-interessados

Intervenção do MP

Articulados supervenientes

  • Fase de saneamento, instrução e alegações

Despacho pré-saneador e despacho saneador

Instrução do processo

Discussão da matéria de facto e alegações facultativas

  • Fase de julgamento e da publicidade

Julgamento

Publicidade


Quando à fase dos articulados:

Segundo o art.78º/1 CPTA a instância constitui-se com a propositura da acção que se considera proposta com a recepção da petição inicial na secretaria do tribunal. Esta tem de ser articulada. Na petição estão presentes os elementos essenciais da causa, ou seja, a identificação do tribunal, das partes, do acto impugnado (se for caso disso), a formulação do pedido e da causa de pedir, o valor da causa, forma de processo, a indicação dos factos probatórios, entre outros – art.78º/2 CPTA.

Deve haver também a comprovação do pagamento da taxa de justiça e de outros documentos conforme o pedido.

O autor, na petição, pode requerer a dispensa da produção de prova e de alegações como previsto no art.78º/4 CPTA.


No art.80º CPTA vem prevista a intervenção da secretaria. A petição é examinada pela secretaria e caso se verifique a omissão de algum dos elementos obrigatórios referidos no art.80º/1 CPTA esta recusa o seu recebimento indicando por escrito o fundamento da rejeição.

Partindo do nº 2 do art.80º podemos aplicar os art.474º a 476º CPC que revertem na possibilidade de haver recurso para o juiz da recusa da petição pela secretaria. O autor tem ainda a faculdade de apresentar uma nova petição no prazo de 10 dias.

Segundo Vieira de Andrade verifica-se aqui a aproximação do processo administrativo ao processo civil, tendo sido eliminado o despacho liminar do juiz sobre a petição implicando uma diminuição da intervenção judicial neste momento e um maior relevo da intervenção administrativa do tribunal.

Incumbe ainda à secretaria promover oficiosamente a citação da entidade pública demandada e dos contra-interessados para contestarem no prazo de 30 dias – art.81º/1 CPTA. Esta citação pode ser feita através da publicação de anúncio nos termos do art.82º CPTA caso os contra-interessados sejam em número superior a 20, recaindo sobre os interessados o ónus de se constituírem como contra interessados no prazo de 15 dias, findo o qual começa a contar o prazo para a contestação.

Segundo o art.85º CPTA, no mesmo momento da citação, a secretaria envia ao MP uma cópia da petição e dos documentos (excepto na acção pública, quando o MP for o autor).


Quanto à contestação da entidade administrativa e dos contra-interessados presente no art.83º CPTA, a entidade demandada deve deduzir articuladamente toda a matéria de defesa e deve incidir sobre o requerimento de dispensa de prova e alegações finais, se o autor o tiver feito na petição, o silêncio da entidade demandada vale como assentimento (art.83º/1 e 2).

A entidade demandada é obrigada a enviar ao tribunal o original ou fotocópias autenticadas do processo administrativo e demais documentos respeitantes à matéria em apreço, sendo que se estiver apensado a outros autos, a entidade demandada deve informar o tribunal (art.84º/ 1, 2 e 3).

Não havendo envio do processo administrativo, não há obstáculo ao prosseguimento da causa, sendo que, se a falta resultar em impossibilidade ou dificuldade de prova, consideram-se provados os factos alegados pelo autor (art.84º/5). A falta de contestação ou de impugnação especificada, não importa a confissão dos factos alegados pelo autor (art.83º/4).


Relativamente à intervenção do Ministério Público (art.85º CPTA), tendo este recebido cópia da petição, intervém quando entender, no prazo de 10 dias após a notificação da junção do processo administrativo aos autos, ou da apresentação das contestações (quando a junção não tenha lugar).

Mais concretamente, cabe ao MP pronunciar-se sobre o mérito da causa e solicitar a realização de diligências instrutórias; invocar vícios não referidos pelo impugnante nos pedidos impugnatórios. Pode ainda, nos processos impugnatórios, suscitar questões que determinem a nulidade do acto ou da norma independentemente dos valores ou bens em causa.

O papel do MP termina nesta altura, não sendo mais chamado a intervir, nem no caso de haver uma alteração da matéria de facto por articulados supervenientes, ou ampliação do pedido ou da causa de pedir.


Existe a possibilidade de haver dedução articulada, por qualquer das partes, de factos supervenientes ou de conhecimento superveniente comprovado (art.86º CPTA). A secretaria notifica as outras partes para responderem no prazo de 10 dias – com o propósito de assegurar o contraditório.


Quanto à fase de saneamento, instrução e alegações:

Após os articulados o processo é concluso ao juiz ou relator (quando há julgamento em formação colectiva) que vai verificar a regularidade das peças processuais e corrigi-las oficiosamente quando hajam irregularidades meramente formais ou proferir despacho de aperfeiçoamento, convidando a parte a corrigir a deficiência (art.88º e 89º CPTA).

O despacho saneador é proferido pelo juiz em três situações que estão presentes no art.87º/1 CPTA: quando deva conhecer quaisquer questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo; quando deva conhecer total ou parcialmente do mérito da causa, seja por haver uma excepção peremptória, seja por o processo estar pronto para ser decidido, quando tenha sido requerida pelo autor, sem oposição de qualquer dos demandados, dispensa de alegações; quando haja necessidade de produção de prova, por haver meteria de facto controvertida e o processo haja de prosseguir.

Neste ponto existem três tipos de juízo e de decisão: a resolução de questões formais, a decisão de condensação e de abertura da instrução e finalmente a decisão sobre o mérito da causa.

É importante referir a importância do despacho saneador como momento único e limite temporal do conhecimento dos pressupostos processuais ou de quaisquer excepções dilatórias.


Na instrução do processo vale o princípio do inquisitório, podendo o juiz ou relator ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, assim como indeferir as diligências desnecessárias (art.90º/1 e 2 CPTA).

Na produção de prova aplica-se a lei processual civil.

O juiz, dentro do seu poder discricionário, pode ordenar o faseamento da instrução (no caso de se cumularem, com pedidos principais de impugnação ou de declaração de ilegalidade, pedidos de condenação baseados nessa ilegalidade), diferindo a instrução dos pedidos dependentes para momento posterior ao da instrução do pedido principal ou mesmo para depois das alegações, no caso destas terem lugar (art.90º/3 CPTA).


Já a discussão da matéria de facto e alegações facultativas (art.91º CPTA), manifesta-se no poder de o juiz ou relator ordenar uma audiência pública para discussão oral da matéria de facto – oficiosamente, quando entenda que tal se justifica, pela respectiva complexidade, ou a requerimento das partes, se a matéria de facto for controvertida por não estar documentalmente fixada (art.91º/1 e 2 CPTA).

Pode haver logo dedução oral de alegações sobre a matéria de direito quando a audiência pública for requerida pelas partes (art.91º/3 CPTA). Quando isto não se verifique e as partes não tenham renunciado à apresentação de alegações escritas, são notificados o autor, pelo prazo de 20 dias, e depois, simultaneamente, a entidade demandada e os contra-interessados, por igual prazo, para, querendo, as apresentarem (art.91º/4 CPTA).

O autor pode apresentar nas alegações novos fundamentos do pedido, ampliando a causa de pedir, desde que sejam factos de conhecimento superveniente (art.91º/5 CPTA).

Pode ainda, o autor, nas alegações, ampliar o pedido quando se admita a modificação objectiva da instância que corresponde às hipóteses referidas nos art.63º, 64º, 65º e 70º CPTA.


Quanto à fase de julgamento e da publicidade:

No julgamento profere-se uma sentença fundamentada de facto e de direito, a qual, se houver lugar a uma decisão por um colectivo de juízes (acórdão), pressupões a vista aos juízes adjuntos, salvo dispensa por simplicidade evidente da causa (art.92º CPTA).

Existem situações especiais para o julgamento em primeira instância nos TACs, nos quais podem intervir no processo todos os juízes do tribunal: por determinação do presidente quando a questão de direito suscitada seja nova, suscite dificuldades sérias e possa vir a ser suscitada noutros litígios (art.93º CPTA e art.41º ETAF); nos “processos-modelo” seleccionados no contexto dos processos em massa (art.48º/4 CPTA).


Relativamente à publicidade, a sentença ou o acórdão são notificados às partes. Os acórdãos finais do STA e dos TCA são publicados em apêndice ao Diário da República, excepto os repetitivos de outros anteriores (art.30º/4 CPTA).

As sentenças que declarem a ilegalidade de normas com força obrigatória geral ou concedam provimento à impugnação de actos que tenham sido publicados são sempre objecto de publicação oficial (art.30º/7 e 8 CPTA).



- José Carlos Vieira de Andrade, A justiça Administrativa

- Vasco Pereira da Silva, O Contencioso no Divã da Psicanálise

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Impugnação de normas: breve olhar sobre a declaração de ilegalidade de normas regulamentares com força obrigatória geral.

O CPTA institui, no domínio da impugnação de normas, dois esquemas distintos de impugnação, a título principal: (i) o pedido de declaração de ilegalidade pode ser formulado pelo lesado com efeitos circunscritos ao caso concreto, correspondendo o juízo de ilegalidade a uma desaplicação da norma na situação sub judice, ou (ii) destinar-se a obter o reconhecimento judicial da ilegalidade com força obrigatória geral (arts. 72.º e 73.º CPTA) [1].

Antes da reforma existiam três modos para se reagir contenciosamente contra os regulamentos administrativos: 1) Via incidental (visava a apreciação indirecta do regulamento, configurando um incidente da questão principal); 2) Um meio processual genérico (declaração de ilegalidade de normas administrativas, era o meio adequado para reagir contra qualquer norma regulamentar, desde que, exequível por si mesma; 3) Um meio processual especial: a impugnação de normas (apresentava um âmbito de aplicação circunscrito às aos regulamentos provenientes da administração local comum).

As principais orientações do novo regime são diferentes, consistindo na uniformização do regime jurídico do contencioso regulamentar e no estabelecimento de um regime uniforme no que respeita à legitimidade.
Assim sendo, a declaração com força obrigatória geral só pode ser pedida pelos particulares interessados depois de a norma ter sido desaplicada em três casos concretos , requisito que não é exigido se o pedido for feito pelo MP. Por sua vez, a declaração de ilegalidade da norma com efeitos restritos ao caso concreto pode ser pedida pelo lesado ou pelos titulares da acção popular quando a norma produza os seus efeitos imediatamente, sem depender de um acto administrativo ou judicial de aplicação (art.73.º, n.º2).
Desta análise resulta que o CPTA assegura a protecção plena dos titulares do direitos e interesses legalmente protegidos ao nível do caso concreto, mas olha para a questão da declaração de ilegalidade com força obrigatória geral como uma questão predominantemente de interesse público.

Importa agora atender aos efeitos da declaração de ilegalidade com força obrigatória geral (art.76.º do CPTA). Os efeitos da declaração de ilegalidade com força obrigatória geral produzem-se, em regra, ex tunc, determinando a repristinação das normas revogadas.
O preceito estabelece para o âmbito da eficácia da declaração de ilegalidade com força obrigatória geral um regime similar ao previsto no art.282.º da CRP. Do regime exposto no art.76.º podemos afirmar que:
a) A retroactividade de efeitos não afecta as situações de “caso julgado” e os “actos administrativos que entretanto se tornaram impugnáveis” (situações jurídicas consolidadas por falta de impugnação contenciosa de acto administrativo constitutivo de direitos), salvo decisão em contrário do tribunal em matéria sancionatória, quando tal seja mais favorável ao particular. Esta solução beneficia os particulares lesados, que conseguem obter a eliminação dos efeitos não consolidados das normas.
b) Os casos julgados e os actos administrativos consolidados cedem perante o principio da aplicação retroactiva da norma sancionatória mais favorável (art.76.º, n.º3);
c) O tribunal pode afastar o regime da retroactividade, fazendo reportar os efeitos da declaração de ilegalidade à data do trânsito em julgado (art.º76, n.º2). Neste ponto levanta-se a questão de saber se caso o tribunal não tenha usado esta faculdade, o interessado pode recorrer ao expediente de apreciação incidental da ilegalidade de acto administrativo (art.38.º do CPTA)? Seguindo a posição do Prof. Mário Aroso de Almeida [2], nada obsta a a que o interessado se socorra deste meio, uma vez que “a relação jurídica entre as partes não se encontra ainda fixada, pelo que nada impede que o acto administrativo, ainda que inimpugnável possa ser analisado à luz das normas repristinatórias”. A apreciação incidental da ilegalidade no âmbito de uma acção administrativa comum, nos termos do art.38.º, visa obter efeitos jurídicos que não coincidam com os que resultariam da anulação do acto administrativo. Importa, ainda, ressalvar que o disposto neste artigo (76/2) não impede que os interessados impugnem os eventuais actos administrativos que tenham sido anteriormente praticados ao abrigo da norma, ou seja, a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, come feitos ex nunc significa que a norma é eliminada da ordem jurídica para o futuro, o que não afasta a possibilidade de vir a ser desaplicada, a titulo incidental, no âmbito de um processo de impugnação de um acto administrativo de aplicação.

Quanto aos efeitos da declaração de ilegalidade no caso concreto, a lei nada refere, devendo entender-se que operam ex tunc e igualmente com efeito repristinatório, embora se produzam apenas naquele caso. Sendo que, neste caso, não se justifica a aplicação da regra do art.76/2, uma vez que os “fundamentos legais dessa limitação respeitam exclusivamente aos efeitos gerais da declaração da ilegalidade- o que torna esta via mais favorável ainda para o requerente” [3].
Questão importante neste contexto, será saber se a Administração poderá reeditar a norma declarada ilegal com força obrigatória geral? Parece ser de admitir que a administração possa reproduzir a norma, sem prejuízo de poder haver uma nova fiscalização da sua legalidade [4], desde que sejam sempre respeitados os princípios constitucionais da segurança e da certeza jurídica, nos termos gerais. Podendo ainda a administração conceder eficácia retroactiva à nova norma, não vendo, assim, limitada a sua liberdade de fixação do âmbito temporal de aplicação.
Esta posição será a mais acertada, uma vez que será sempre de admitir um novo juízo sobre a norma reeditada, por outro lado, impedir esta orientação traduziria um poder absoluto concedido ao tribunal, assumindo a sua declaração carácter incontestável, seria admitir a infalibilidade das decisões.

Em suma: vigora no nosso contencioso administrativo uma ideia de democracia que reconhece que não vigoram decisões irreversíveis, temos que estar sempre aptos a alterações benéficas, ou seja, vivemos sob o olhar de um regime buliçoso, sempre disposto a rectificações. Sendo de admitir, por isso, a possibilidade de reprodução da norma ilegal e de fixação do respectivo âmbito de eficácia, desde que respeitados os princípios constitucionais da segurança e certeza jurídica.


Estela Guerra, n.º17269



[1]Cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Esteves Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativo, Almedina, 3.ª edição, 2010, pp.480.
[2]Cfr. Vasco Pereira da Silva, O Contencioso no Divã da Psicanálise, ensaio sobre as acções no novo processo administrativo, 2.ª edição, Almedina, 2009, pp.415.
[3] Para Mário Aroso de Almeida “ o interessado lesado por uma norma directamente aplicável, mas julgada ilegal em três casos concretos, não está porém, obrigado a pedir a declaração de ilegalidade dessa norma com força obrigatória geral. Ele pode limitar-se a pedir que a declaração seja proferida com efeitos circunscritos ao seu caso, evitando, o risco de se poder ver confrontado com uma eventual decisão do tribunal de limitação dos efeitos da sua pronúncia no exercício do poder que lhe é conferido pelo art. 76.º, n.º2”. In: Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010, pp.335-336.
[4]Cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Esteves Cadilha, op. Cit., pp.500.
[5]Cfr. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 11.ª ed., Coimbra, 2011, pp. 216.
[6]Cfr. Paulo Otero, Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional, Lisboa, 1993, pp. 140 e ss.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Acção Popular Administrativa

Apesar de prevista no art. 52.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) desde a Revisão constitucional de 1989, só em 1995 a acção popular obteve concretização legislativa mediante a aprovação da lei n.º 83/95, de 31 de Agosto – Lei da Acção Popular (LAP) –, defendendo alguma doutrina a existência, até então, de inconstitucionalidade por omissão.


A acção popular foi concebida como instrumento jurisdicional de tutela de bens jurídicos supra-individuais (a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público – art. 1.º, n.º 2 da LAP – aos quais o art. 9.º, n.º 2 do CPTA acrescenta os valores ou bens relativos ao urbanismo e ao ordenamento do território, por ser matéria específica da área de contencioso administrativo), aproximando-se, nalguns pontos, da acção popular e das acções colectivas brasileiras, sendo também fortemente influenciada pelas class actions dos Estados Unidos da América. Através da LAP, o legislador não consagrou um meio processual autónomo, mas sim um conjunto de especialidades de regime que se enxertam nos meios processuais concretamente utilizados pelos autores populares, na jurisdição administrativa ou cível [1]. Para além do alargamento substancial da legitimidade processual activa, constituem especificidades do regime processual da acção popular, designadamente, o reforço dos poderes do juiz e a eficácia do caso julgado.


A questão mais evidente introduzida pela LAP prende-se com a extensão da legitimidade activa, a qual se traduz na existência de três modalidades de acção popular: acção popular individual (desencadeada em termos pessoais, por quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos, independentemente de possuírem um interesse directo na causa), a acção popular colectiva (desencadeada por associações e fundações, com personalidade jurídica, defensoras, por atribuições ou objectivos estatutários, dos interesses referidos na LAP, independentemente de terem interesse directo na demanda) e a acção popular pública (podendo tratar-se de uma acção pública originária, se desencadeada pelas autarquias locais relativamente aos interesses de que sejam titulares residentes na área da respectiva circunscrição – art. 2.º, n.º 2 LAP –, ou de uma acção popular pública superveniente, no âmbito do exercício pelo Ministério Público (MP), da possibilidade de intervenção processual substitutiva, designadamente em casos de desistência da lide, transacção ou de comportamentos lesivos dos interesses em causa – art. 16.º, n.º 3 LAP) [2]. A LAP excluiu o MP do conjunto das pessoas legitimadas a agir. Esta opção é olhada pela doutrina com alguma perplexidade, uma vez que diversas disposições avulsas lhe conferem legitimidade em vários sectores específicos [3]. Por outro lado, em termos de direito comparado, atendendo à experiência brasileira (uma das fontes de inspiração da LAP), verifica-se que mais de 90% das acções populares civis públicas são desencadeadas pelo MP, facto que não comoveu o legislador português [4]. Contudo, o art. 9.º, n.º 2 do CPTA vai mais longe no alargamento da legitimidade activa, conferindo ao MP uma genérica capacidade de iniciativa processual, a qual corresponde a uma generalização dessas atribuições em sectores específicos. Conforme salientam Fernandes Cadilha e Aroso de Almeida, a atribuição desta nova função ao MP poderá justificar-se pela conveniência de agilizar a tutela judiciária dos interesses difusos, tendo-se como objectivo o aproveitamento da capacidade técnica e organizativa de um órgão do Estado, fortalecendo o controlo jurisdicional dos interesses em causa, partindo do pressuposto de que o interesse social ou supra-individual inerente ao exercício da acção popular é de algum modo comparável ao interesse geral de legalidade que o MP tem como atribuição defender [5]. A atribuição de legitimidade activa ao MP poderá gerar a necessidade de compatibilização com o regime do art. 16.º da LAP, já que frequentemente a agressão ao interesse difuso é imputável à Administração Pública, o que pode fazer com que o MP defenda, simultaneamente, os dois interesses contrapostos: intentando a acção popular (lado activo) e representando a Administração (lado passivo).


A extensão da legitimidade processual, dispensando a prova do pressuposto base da legitimidade no seio das acções singulares – o interesse directo e pessoal (art. 55.º, n.º 1, al. a) CPTA) –, visa assegurar a tutela dos interesses que não se confinam às relações individuais, e por conseguinte, à acção singular. Segundo a maioria da doutrina, a LAP visa tutelar não só os interesses difusos, mas também os interesses colectivos e os interesses individuais homogéneos [6].


Os interesses difusos e colectivos têm um denominador comum: o facto de serem interesses que não pertencem a um titular ou a um número perfeitamente determinado de titulares, mas sim, a uma colectividade mais ou menos determinada. São interesses supra-individuais e de natureza indivisível. Segundo o entendimento do Prof. Teixeira de Sousa, os interesses difusos incidem sobre bens públicos que, por natureza, só podem ser gozados numa dimensão colectiva, pertencem a uma pluralidade indiferenciada de sujeitos e recaem sobre bens indivisíveis o que implica que nenhum dos seus titulares se pode apropriar de qualquer parcela desses bens (é o caso do interesse na qualidade de vida ou na preservação do património cultural). Os interesses colectivos também são indivisíveis quanto ao objecto mas incidem sobre bens privados de uma pluralidade de sujeitos, sendo que os interesses colectivos agrupam os interesses paralelos de cada um dos titulares de bens privados, podendo ser defendidos colectivamente, mas que pressupõem uma estrutura auto-organizada (é o caso dos lesados por uma substância lesiva da saúde)[7]. Pelo contrário, para o Prof. Lebre de Freitas, a distinção não reside na natureza pública ou privada dos bens sobre os quais versam os interesses. Em palavras suas, “fala-se de interesses colectivos e de interesses difusos para qualificar interesses individuais generalizados, como tais próximos dos interesses públicos, mas de natureza ainda fundamentalmente privatística. Em causa está sempre a fruição de bens de uso pessoal não susceptíveis de apropriação exclusiva. O interesse colectivo reporta-se a uma comunidade genericamente organizada, cujos membros são como tais identificáveis, mas sem que essa organização se processe em termos de pessoa colectiva. O interesse difuso, pelo contrário, reporta-se a um grupo inorgânico de pessoas, cuja composição é, em cada momento, ocasional e por isso não permite a identificação prévia dos respectivos titulares[8].


Também não é pacífico o entendimento em torno do que seja um interesse individual homogéneo. Para o Prof. Teixeira de Sousa trata-se de uma refracção de um interesse colectivo ou de um interesse colectivo na esfera individual de cada um dos respectivos titulares. Deste modo, constituiria um interesse individual homogéneo o interesse de cada um dos habitantes de uma região na qualidade de vida ou na preservação do património cultural. Por outro lado, os lesados por uma substância lesiva da saúde sendo titulares de um interesse colectivo, seriam também titulares de um interesse individual homogéneo perspectivando o interesse de cada uma das vítimas em conjunto com o idêntico interesse de todos os outros lesados. Há doutrina, nomeadamente os Professores Ada Pellegrini Grinover, Carla Amado Gomes e António Almeida, que autonomiza substantiva e processualmente o interesse individual homogéneo relativamente ao interesse público, ao interesse colectivo e ao interesse difuso [9]. Adoptando esta concepção, os interesses individuais homogéneos dizem respeito a bens jurídicos divisíveis e em regra disponíveis, pertencentes individualmente a uma pluralidade de pessoas determinável. É particularmente na tutela deste último tipo de interesses que a LAP foi buscar a sua inspiração à class action americana, tendo por objectivo resolver o problema da representação atípica em casos de interesses individualizados pertencentes a pessoas afectadas por um risco de origem idêntica (por exemplo, a ingestão de água contaminada proveniente de um mesmo furo artesiano ou intoxicação por emissões poluentes produzidas por uma mesma fábrica) [10]. A acção de grupo tutela directamente bens pessoais (tais como a integridade física, património), já que se trata de interesses referentes a bens individualmente apropriáveis, podendo indirectamente, a sua tutela reverter a favor de toda a comunidade. Também com especial relevância para este tipo de interesses, consagra o art. 48.º do CPTA um mecanismo de agilização processual, pelo qual é possível que um grande número de processos, respeitantes à mesma relação jurídica material ou a relações materiais coexistentes em paralelo, desde que susceptíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a idênticas situações de facto, seja reduzido a um único processo, com fundamento na “homogeneidade” dos interesses em causa.


A LAP veio também reforçar os poderes do juiz. O art. 17.º atribui ao juiz iniciativa própria em matéria da colheita de prova, sem vinculação à iniciativa das partes, delineando um novo alcance do princípio do inquisitório. Por outro lado, o art. 18.º permite a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, ainda que a lei processual aplicável o não preveja, visando salvaguardar o efeito útil de uma decisão, prevenindo a produção de danos irreparáveis ou de difícil reparação. Se esta regra não assume grande relevância no âmbito do contencioso administrativo uma vez que a regra geral consagrada no art. 143.º, n.º 1 CPTA, é a da atribuição do efeito suspensivo ao recurso, o mesmo não é verdade em sede das acções cautelares e de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias (143.º, n.º 2 CPTA) nem no âmbito da acção cível, tendo em conta a regra geral de efeito meramente devolutivo do recurso em processo civil (art. 692.º CPC). Segundo a Prof.ª Ada Pellegrini Grinover, olhando à experiência brasileira em que o juiz atendendo à natureza do bem em perigo e à gravidade da lesão iminente, tem o poder de decretar medidas inibitórias da actuação lesiva, substituindo-se ao impulso processual das partes, a solução portuguesa parece muito tímida. Contudo esta autora ressalva que a LAP confere ao juiz português “amplos poderes”, que se traduzem numa grande margem de discricionariedade devido à disciplina legislativa lacunosa, nomeadamente em sede de fixação do destino da indemnização [11].


Por último, a eficácia do caso julgado. Como regra geral, o art. 19.º atribui eficácia erga omnes à decisão judicial transitada em julgado, tanto para os casos de procedência como de improcedência. A regra geral sofre, no entanto dois limites: a eficácia será excluída em caso se improcedência do pedido por insuficiência de provas (limite objectivo); e o caso julgado, favorável ou desfavorável, não aproveita e não é oponível a quem se auto excluiu da acção (limite subjectivo). Este é mais um dos pontos de inspiração norte-americana, tendo sido acolhidos os critérios do opt out e do opt in: os titulares dos interesses em causa são citados, tendo a faculdade de se excluírem (opt out) da “representação”, devendo exercer tal faculdade de modo expresso nos autos até ao termo da fase da produção de prova ou equivalente. Não o fazendo, os interessados podem exercer o direito de intervir no processo a título principal ou nada fazerem ou dizerem, valendo a sua inércia e o seu silêncio como aceitação “da representação” (opt in) – arts. 14.º e 15.º.


São dois os principais perigos gerados por esta formulação: Em primeiro lugar, a atribuição ao silêncio do valor de aceitação, pode gerar problemas devido às formas de citação (por anúncios ou editais, sem obrigatoriedade de identificação pessoal), podendo levar a que se forme um caso julgado sem o titular do interesse ter sido adequadamente informado. Por outro lado, os Professores Lebre de Freitas e António Almeida alertam para o facto de a lei portuguesa, ao contrário das leis brasileira e norte-americana, não ter distinguido, em matéria de caso julgado, entre as diferentes categorias de interesses, sendo a situação mais chocante a dos titulares dos interesses individuais homogéneos, já que neste caso estão em causa interesses que representam verdadeiros direitos subjectivos em sentido estrito, comuns a uma titularidade indeterminada de pessoas [12]. Deste modo, defendem o Prof. Lebre de Freitas, e em termos não tão absolutos, o Prof. António Almeida, que sendo o caso julgado desfavorável, este não será oponível aos que não se tenham excluído da representação, sob pena violação do direito de acesso à justiça e aos tribunais (art. 20.º CRP), não se vedando a possibilidade dos interessados que não intervieram no processo de instaurar nova acção, uma vez que as formas de citação previstas no art. 15.º da LAP não poderão constituir presunção inilidível do conhecimento da acção por todos os interessados, nem a flutuação da titularidade do interesse difuso ou colectivo se coaduna com a ideia de perda do direito processual de o fazer valer [13].


Em relação ao regime da acção administrativa especial, verifica-se que a eficácia subjectiva do caso julgado de sentenças de provimento emanadas no âmbito da acção popular goza de um campo de produção de efeitos superior ao que resulta das sentenças emanadas no âmbito de uma acção cuja legitimidade foi aferida à luz dos critérios gerais, maxime, em virtude da titularidade de um interesse directo e pessoal, uma vez que o caso julgado apenas será inoponível a quem se exclua do processo (e quem seja excluído pelas circunstâncias acabadas de enunciar), enquanto que na acção administrativa especial, a decisão nunca poderá produzir efeitos contra terceiros que não intervieram no processo.


Para concluir queria apenas deixar mais uma nota. Se a LAP veio pôr fim a anos de inércia do legislador, concretizando legislativamente o comando constitucional, também é verdade que deixou muitas questões em aberto. Por outro lado, no tocante aos aspectos que mereceram disciplina legal, verificam-se algumas incongruências no regime, nomeadamente a articulação entre os bens jurídicos e os tipos de interesses tutelados, os critérios de representação em juízo e a eficácia do caso julgado, aspectos que mereciam adaptações de regime, mas que na legislação portuguesa são alvo de um regime único, o qual nalgumas situações se mostra desadequado e potencialmente violador dos direitos e garantias dos particulares.



Nídia Mateus








[1] A acção popular administrativa pode reconduzir-se a todas as espécies processuais que integram o contencioso administrativo e pode ser utilizada para a obtenção de qualquer das providências judiciárias legalmente admissíveis, o que decorre hoje da recepção desta forma de legitimidade especial na parte geral do CPTA, no seu art. 9.º, n.º 2, e o que já decorria, na opinião de alguma doutrina, do art. 12.º da LAP, especialmente na sua parte inicial, a qual parecia abranger para além do expressamente mencionado recurso contencioso de anulação (hoje substituído pela acção administrativa especial para impugnação de acto administrativo), os demais meios processuais administrativos. Neste sentido vide CARLOS FERNANDES CADILHA/ MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Comentário ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos, 3.ª Edição, Almedina, 2010, pp. 72 - 73 e PAULO OTERO, «A Acção Popular: Configuração e Valor no Actual Direito Português», in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 59, Vol. III, Dezembro 1999, p. 881.



[2] Seguimos a classificação bipartida da acção pública presente em PAULO OTERO, ob. cit., p. 885.



[3] Nomeadamente em sede de protecção do consumidor, no que respeita às práticas lesivas dos direitos do consumidor (art. 13.º, al. c) da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho), e às condições gerais dos contratos ou cláusulas abusivas (art. 26.º, n.º 1, al. c) do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro), no âmbito da defesa de bens culturais (art. 9.º, n.º 3 da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro) e na salvaguarda de valores ambientais (art. 45.º, n.º 2 da Lei de Bases do Ambiente).



[4] ADA PELLEGRINI GRINOVER, «A Acção Popular Portuguesa: Uma Análise Comparativa», in Lusíada, Revista de Ciência e Cultura, I Congresso Internacional de Direito do Ambiente da Universidade Lusíada, Número especial, 1996, p. 255.



[5] CADILHA/AROSO DE ALMEIDA, ob. cit., p. 76.



[6] Neste sentido ANTÓNIO ALMEIDA, «A Acção Popular e a Lesão dos Bens Ambientais», in Lusíada, Revista de Ciência e Cultura, n.º 1 e 2, 2002, p. 373; VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 11.ª Edição, Almedina, 2011, p. 264, nota 715 e LUÍS FÁBRICA, «A Acção Popular Já não é o Que Era», in CJA, n.º 38, Mar/Abr 2003, pp. 49 e ss. Contra, defendendo que a LAP apenas tutela os interesses difusos CADILHA/AROSO DE ALMEIDA, ob. cit., p. 78.



[7] TEIXEIRA DE SOUSA, A Legitimidade Popular na Tutela dos Interesses Difusos, Lex, 2003, pp. 47 e ss.



[8] LEBRE DE FREITAS, «A Acção Popular ao Serviço do Ambiente», in Ab Uno Ad Omnes, 75 anos da Coimbra Editora, Coimbra, 1998, p. 799.



[9] ADA PELLEGRINI GRINOVER, ob. cit., p. 248; CARLA AMADO GOMES, «Não Pergunte o Que o Ambiente Pode Fazer Por Si; Pergunte-se o Que Pode Fazer Pelo Ambiente!, Reflexões breves sobre a acção pública e a acção popular na defesa do ambiente», in Textos Dispersos de Direito do Ambiente, Vol. III, AAFDL, 2010, pp. 225 e ss; ANTÓNIO ALMEIDA, ob. cit. p. 371 e ss.



[10] Nos Estados Unidos, as class action foram classificadas em true, hybrid e spurious consoante o grau da comunhão de interesses que cada uma das quais tutela, respectivamente interesses difusos, colectivos e individuais homogéneos, com diversas consequências processuais. Para mais detalhes vide ADA PELLEGRINI GRINOVER, ob. cit., pp. 248 e 249.



[11] ADA PELLEGRINI GRINOVER, ob. cit., pp. 255 – 258.



[12] LEBRE DE FREITAS, ob. cit., pp. 806 – 809 e ANTÓNIO ALMEIDA, ob. cit., pp. 377 e 378.



[13] LEBRE DE FREITAS, ob. cit., p. 807.