domingo, 22 de maio de 2011

Artigo 4º, Nº 2, a) do ETAF – “Função Política”

A alínea a) do n.º 2 do art. 4.º do ETAF, exclui do âmbito da jurisdição administrativa a impugnação de actos praticados no exercício da função política.

Retira-se assim que, em princípio, não haverá controle pelos tribunais Administrativos dos actos praticados no exercício da função política.

No entanto, não significa que se verifique uma total exclusão de controle judicial de legalidade face a tais actos, mas, que essa possibilidade não se insere na jurisdição administrativa.

O conceito de “função política” não é definido explicitamente no artigo 4º, nº 2, a), do ETAF.

Para se conseguir chegar a alguma conclusão, o artigo nº 197 da CRP, que consagra a “competência política” do Governo, poderia ser um bom ponto de partida, mas a definição deste conceito não se esgota neste artigo.

Por isso, a Doutrina e a Jurisprudência ganham uma enorme importância nesta matéria, tornando-se mesmo necessária.

Para MARCELLO CAETANO, «a função política poderá ser definida como a actividade dos órgãos do Estado cujo objecto directo e imediato é a conservação da sociedade política e a definição e prossecução do interesse geral mediante a livre escolha dos rumos ou das soluções consideradas preferíveis». Para este, «a administração pública é, em sentido material, o conjunto de decisões e operações mediante as quais o Estado e outras entidades públicas procuram, dentro das orientações gerais traçadas pela Política e directamente ou mediante estímulo, consideração e orientação das actividades privadas assegurar a satisfação regular das necessidades colectivas de segurança e de bem-estar dos indivíduos, obtendo e empregando racionalmente para esse efeito os recursos adequados», e define uma função técnica como «a actividade cujo objecto directo e imediato consiste na produção de bens ou na prestação de serviços destinados à satisfação de necessidades colectivas de carácter material ou cultural, de harmonia com preceitos práticos tendentes a obter a máxima eficiência dos meios empregados».

Para AFONSO QUEIRÓ os actos políticos «de órgãos superiores do Estado, quer daqueles que são expressamente configurados pela Constituição como “órgãos da soberania”, quer dos agentes e entidades organizatórias, constituídas dentro ou fora desses órgãos, que se verifica terem, na estrutura constitucional, uma individualidade e independência tais que se justifica concebe-los juridicamente como agentes e órgãos constitucionais autónomos. Isto significa que a competência para a prática de actos políticos é, e pode ser, conferida pela Constituição a órgãos e agentes que, por isso mesmo, se hão-de considerar órgãos e agentes supremos do Estado. Os órgãos e agentes dependentes de órgãos e agentes supremos (na linguagem de J. J. ROUSSEAU, simples officiers du souverain) o exercem nenhuma parcela da função política ou governamental. (…) O que distingue os actos políticos dos actos administrativos é representarem o exercício de faculdades directamente conferidas pela Constituição, sem sujeição à lei ordinária, fora, portanto, de qualquer propósito de traduzir, no que respeita ao seu conteúdo, numa actuação concreta, uma volição prévia do legislador ordinário».

Para FREITAS DO AMARAL, «a política, enquanto actividade pública do Estado, tem um fim específico: definir o interesse geral da colectividade. A administração pública existe para prosseguir outro objectivo: realizar em termos concretos o interesse geral definido pela política». «O objecto da política é as grandes opções que o país enfrenta ao traçar os rumos do seu destino colectivo. O da administração pública é a satisfação regular e contínua das necessidades colectivas de segurança, cultura e bem-estar económico e social». «A política tem uma natureza criadora, cabendo-lhe em cada momento inovar em tudo quanto seja fundamental para a conservação e o desenvolvimento da comunidade nacional. A administração pública tem pelo contrário natureza executiva, consistindo sobretudo em pôr em prática as orientações tomadas a nível político».

GOMES CANOTILHO, afirma que «o há uma caracterização constitucional-material da função política ou de governo», refere que «em geral, esta função caracteriza-se por uma grande margem de liberdade de conformação, salvo os limites ou as imposições estabelecidas pela CRP. Daí que se possa dizer que o “governar ou o “fazer política “implica direcção, iniciativa, coordenação, combinação, planificação e liberdade de conformação”». Refere ainda que «a função administrativa consiste na concretização e realização dos interesses públicos da comunidade, quer dando execução a decisões ou deliberações, constantes de actos legislativos, actos de governo e actos de planificação, quer intervindo, conformadora ou ordenadoramente, na prossecução de fins (de interesse público) individualizados na Constituição e nas leis».

JORGE MIRANDA defende que a função política se consubstancia na «definição primária e global do interesse público: interpretação dos fins do Estado e escolha dos meios adequados para os atingir em cada conjuntura». A função administrativa consiste na satisfação constante das necessidades colectivas, prestação de bens e serviços.

Jurisprudência

Acórdãos STA Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo

Processo: 0855/10

Data do Acórdão: 09-12-2010

Sumário:

I – A função política consiste na definição e prossecução do interesse geral da colectividade e na correspondente escolha das opções destinadas à melhoria, preservação e desenvolvimento do modelo económico e social escolhido, por forma a que os cidadãos se possam sentir seguros e possam alcançar os bens materiais e espirituais que o mesmo é susceptível de lhes proporcionar.

II – A actividade administrativa funciona a jusante da função política revestindo, no essencial, natureza executiva e complementar visto se destinar a pôr em prática as orientações gerais traçadas pela política com vista a assegurar em concreto a satisfação necessidades colectivas de segurança e de bem-estar das pessoas.

III – Deste modo, e porque o Governo tem competências política e administrativa e porque esta última se materializa em actos administrativos que podem estar inclusos em diploma legislativo -pese embora não ser essa a regra - é fundamental apurar se uma determinada decisão decorre da sua da função política ou da sua actividade administrativa pois que só esta é susceptível de controlo judicial.

IV – A imposição contida numa norma de execução orçamental de transferência de determinadas verbas das autarquias locais para o SNS constitui uma decisão política e, por que assim, a mesma não é contenciosamente sindicável.

Acórdão nº 0816/06 de Supremo Tribunal Administrativo, 23 de Agosto de 2006

Sumário
I - O exercício da função política consiste na escolha das grandes opções destinadas à melhoria, preservação e desenvolvimento de um determinado modelo económico e social, por forma a que os seus cidadãos se possam sentir mais seguros e, livremente, possam alcançar os bens, materiais e espirituais, que o mesmo é susceptível de proporcionar e que o exercício da função administrativa se traduz na materialização dessas opções.

II - Por isso é que só os órgãos superiores do Estado podem exercer a função política pois só eles têm competência para definir, em termos gerais, os fins que a sociedade deve almejar, os meios que cabe utilizar para os alcançar e os caminhos que para o efeito será necessário percorrer.

III - A actividade administrativa funciona, assim, a jusante da função política, com uma função complementar pois que se destina a pôr em prática as orientações gerais traçadas por aquela tendo em vista assegurar em concreto a satisfação de necessidades colectivas de segurança e de bem-estar das pessoas.

IV - Nesta conformidade, a Resolução pela qual o Governo define os contornos globais da reforma que quer introduzir no sector dos laboratórios do Estado e enuncia uma série de medidas que em sua opinião seriam as melhores para atingir tal finalidade, que, por isso, previsivelmente, iriam ser adoptadas, trata-se de uma decisão derivada da sua função política e, por isso, a sua sindicância escapa à jurisdição administrativa.

V - Nos termos do art.º 55.º do CPTA, por via de regra, só são recorríveis os actos administrativos lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos, sendo certo que só se podem considerar actos administrativos "as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta" (art.º 120.º do CPA.).

VI - Deste modo, e ainda que se admita que o segmento da referida Resolução que submete as medidas propostas à discussão pública possa ser configurado como uma decisão de carácter administrativo e, por isso, judicialmente impugnável, certo é que, não tendo a mesma introduzido nenhuma modificação na ordem jurídica existente nem afectado os direitos de nenhum dos representados pelo Requerente, o mesmo é irrecorrível.


Ana Correia

Nº 16539

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