segunda-feira, 16 de maio de 2011

Dos Actos Administrativos Impugnáveis

A determinação dos actos da Administração que são susceptíveis de impugnação contenciosa passa, em primeira linha, pela definição do conceito de “acto administrativo”.

O termo “acto administrativo” pode ser entendido sob duas perspectivas: uma ampla e outra mais restrita. Em sentido amplo, o acto administrativo consiste numa “conduta voluntária de um órgão da Administração que, no exercício de um poder público e para prossecução de interesses postos por lei a seu cargo, produza efeitos jurídicos num caso concreto” (definição avançada pelo Prof. Dr. Marcello Caetano no seu Manual de Direito Administrativo). O mesmo autor contrapunha a este conceito um outro, de âmbito mais restrito, entendido como “a conduta voluntária de um órgão da Administração no exercício de um poder público que para prossecução de interesses a seu cargo, pondo termo a um processo gracioso ou dando resolução final a uma petição, defina, com força obrigatória e coerciva, situações jurídicas num caso concreto”, fixando “os direitos da Administração ou os dos particulares, ou os respectivos deveres, nas suas relações jurídicas”, podendo estes ser objecto de impugnação contenciosa.

Actualmente, o artigo 120º, do Código do Procedimento Administrativo dispõe que “para os efeitos da presente lei, consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”, assim adoptando uma concepção ampla deste conceito, segundo a maioria da doutrina[1]. O Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva afasta igualmente uma noção restritiva de acto administrativo em todos os níveis, pois “não há que distinguir substantivamente os actos administrativos das “decisões executórias” ou dos “actos definitivos e executórios”.

Ficam excluídos, desde logo, actos jurídicos como a generalidade das propostas, pareceres e comunicações (puros actos instrumentais, assim como as acções ou operações materiais (de exercício ou de execução)[2] e comportamentos (informações, avisos) – “porque, não constituindo decisões, não são sequer actos administrativos”[3].

O art. 51º, CPTA enuncia o princípio geral a ter em conta na determinação dos actos administrativos impugnáveis e deixa transparecer, desde logo, que o conceito de acto administrativo impugnável não coincide com a definição de acto administrativo, na medida em que é mais vasto, pois o seu autor não tem que, necessariamente, ser uma entidade administrativa e, além disso, restringe esse mesmo conceito pois só abrange as decisões administrativas com eficácia externa. Por actos com eficácia externa, entende-se que são “os actos administrativos que produzam ou constituam (que visem constituir, que sejam capazes de constituírem) efeitos nas relações jurídicas administrativas externas, independentemente da respectiva eficácia concreta” (conforme entende o Prof. Dr. Vieira de Andrade).

Para aferirmos da impugnabilidade do acto, o critério depende da função e da natureza da acção de impugnação. Se for uma acção para tutela de um direito, em que a função da acção é predominantemente subjectiva, o critério é determinado pela lesão dos direitos dos particulares. No caso de uma acção para defesa da legalidade e do interesse público (como na acção pública e na acção popular), como a função já é, pelo contrário, predominantemente objectiva, então a recorribilidade depende da eficácia externa do acto administrativo.

Em resumo, são inimpugnáveis, como já atrás foi referido, os actos jurídicos como a generalidade das propostas, pareceres e comunicações (puros actos instrumentais, assim como as acções ou operações materiais (de exercício ou de execução)[4] e comportamentos (informações, avisos). Além desses, são também excluídos, segundo o Prof. Dr. Vieira de Andrade, os “actos internos, isto é, aqueles que visem produzir efeitos nas relações especiais de poder ou as relações entre órgãos (não entre sujeitos) administrativos”. O Prof. Dr. Aroso de Almeida acrescenta ainda a esta categoria os actos administrativos de conteúdo negativo, apesar de, tanto os actos positivos como os negativos serem passíveis de impugnação administrativa pela via da reclamação, senão mesmo de eventual recurso hierárquico.

Pelo contrário, são impugnáveis: as “decisões que, por si, já produzem os efeitos jurídicos, designadamente ablatórios, ainda que devam ser complementadas por actos jurídicos de execução vinculada”, bem como os actos destacáveis do procedimento, ou seja, aqueles que embora estejam inseridos num procedimento, produzem efeitos jurídicos externos autonomamente, sem ser através do acto principal do procedimento.

O problema da impugnabilidade coloca-se perante as decisões administrativas preliminares (pré-decisões, pareceres vinculantes), também se prendendo com o conceito de acto administrativo definitivo e executório, visto que estas, ao determinarem peremptoriamente a decisão final são idóneas a produzir efeitos lesivos para os particulares. Nestes casos, defende o Prof. Dr. Vieira de Andrade que poderemos entender esta impugnação como uma “defesa antecipada” ou “precoce” dos interessados, visto que com grande probabilidade estas irão causar lesões em direitos dos particulares. Esta não é uma solução consagrada legalmente mas defende ainda este Autor que “deve ou deveria decorrer expressamente de uma lei”. De salientar ainda que a admitir tal impugnação, esta não se poderia transformar num ónus para o particular, não podendo o “não exercício do direito de impugnar” obstar à impugnação das decisões finais, sob pena de se transformar numa “desprotecção efectiva”.

A respeito da definitividade do acto, pronunciou-se o Prof. Dr. Rogério Ehrhardt Soares, para quem havia ainda que precisar os termos de definitividade vertical e definitividade horizontal. O primeiro diria respeito à emissão de uma resolução final, de que não coubesse recurso na ordem hierárquica, por ter sido praticada no exercício de uma competência exclusiva. A definitividade horizontal prendia-se antes com o fazer corresponder o acto definitivo à resolução final de um procedimento administrativo (completamente abandonada nos nossos dias). Além destas categorias, o Prof. Dr. Freitas do Amaral constituiu mais uma, a que chamou definitividade material. O acto materialmente definitivo era configurado como, nas palavras do Prof. Dr. Aroso de Almeida, “um acto com eficácia externa, no sentido de que se tratava de um acto cujos efeitos não se esgotavam na esfera da própria entidade que o emitia, dirigindo-se apenas aos seus órgãos ou funcionários e agentes, num plano de relações intra-administrativo ou inter-orgânico, mas era, pelo contrário, um acto através do qual a entidade pública que o praticava definia a situação jurídica de outrem ou a sua própria situação jurídica perante outrem que com ela estivesse, ou pretendesse estar, em relação administrativa”.

Concluímos então, seguindo o pensamento do Prof. Dr. Aroso de Almeida, no sentido de que “determinante é que se trate de actos administrativos, no sentido que decorre do artigo 120º do CPA. Deve, por isso, entender-se que, do ponto de vista estrutural, “todos os actos administrativos podem ser objecto de reacção contenciosa – e, portanto, que, quando tenham conteúdo positivo, todos eles podem ser objecto de impugnação contenciosa, pelo que são, todos eles, actos administrativos impugnáveis”.

BIBLIOGRAFIA:

- Mário Aroso de Almeida, “Considerações em torno do conceito de acto administrativo impugnável – Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano no centenário do seu nascimento”, vol. II, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2006

- José Carlos Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa - Lições”, 11ª Edição, Almedina, 2011

- Vasco Pereira da Silva, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – ensaio sobre as acções no novo processo administrativo”, 2ª Edição, Almedina, Março 2009


[1] O Prof. Dr. Mário Aroso de Almeida entende, diferentemente, em “Considerações em torno do conceito de acto administrativo impugnável”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano no centenário do seu nascimento, que está patente na definição apresentada pelo artigo referido uma “extensão intermédia, que nem corresponde ao conceito amplo de que partia Marcello Caetano, nem tão-pouco corresponde ao conceito restrito, de inspiração germânica, do acto regulador…”.

[2] Cfr. Art. 151º, n.ºs 3 e 4, CPA.

[3] Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa”.

[4] Cfr. Art. 151º, n.ºs 3 e 4, CPA.

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