domingo, 22 de maio de 2011

A tutela cautelar vs tutela urgente

O CPTA, no seu art. 36.º, refere-se aos processos urgentes. Contudo, este adopta um conceito amplo de processos urgentes pois, ao lado dos verdadeiros processos urgentes (estes previstos no art.97.º ss), encontramos os processos cautelares (regulados pelo art. 112.º ss). Face a este panorama cumpre perceber qual é a diferença entre uns e outros. Para tal vamos primeiramente analisar as características das providências cautelares, comparando-as depois com as dos processos urgentes que englobam as impugnações urgentes e as intimações. Penso que é ainda importante salientar que quer os processos urgentes, quer as providências cautelares visam concretizar o Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva, expressamente consagrado no art. 238.º n.º4 da CRP. De facto, em muitas situações, não lançando mão destes mecanismos nas situações que serão explicitadas, não seria possível a protecção do direito em causa por se ter actuado tardiamente.


Cabe agora analisar as características das providências cautelares.


Em primeiro lugar, para se entender verdadeiramente as providências cautelares tem que se atender à sua instrumentalidade face ao processo principal. Este aspecto é importantíssimo não só para as perceber, mas também para as destrinçar dos processos urgentes. Na verdade, as providências estão indissociavelmente ligadas a uma acção principal. Aí reside efectivamente a sua natureza cautelar pois o que visam é proteger a subsistência de um processo, acautelando um direito de modo a que a morosidade judicial não prejudique a sua defesa. Muitas vezes, pela urgência do processo, recorrendo-se à forma ordinária não se conseguirá providenciar a protecção adequada. Os particulares necessitam assim de uma forma de protecção célere que, ainda que não definitiva como se explicitará, acautele o seu direito até ao proferimento da decisão de mérito no âmbito do processo principal. A instrumentalidade está patente no art. 113.º CPTA referente à relação entre a providência – que pode ser decretada provisoriamente ou no decorrer do processo – e a causa principal. Por outro lado também só tem legitimidade para requerer o decretamento duma providência cautelar quem possuir legitimidade no âmbito do processo principal.


Esta instrumentalidade terá como consequência a não definitividade da decisão proferida aquando da adopção da providência cautelar, podendo a mesma ser reversível, ainda que esta irreversibilidade não esteja expressamente prevista no CPTA. De qualquer modo, estando esta intimamente ligada à causa principal, não faria sentido que o juiz pudesse esvaziar esta segunda através da providência. Este aspecto está relacionado com outro dos traços principais da tutela cautelar, a provisoriedade.


Na verdade, e como se explicitou, os procedimentos cautelares constituem o meio processual indicado para se proteger e prevenir eficaz e rapidamente a violação de certo direito. Havendo a necessidade de uma tutela antecipada face ao resultado do processo principal, obtém-se uma composição temporária da situação em causa. Neste sentido a providência constitui apenas, e nas palavras do Prof. VIEIRA DE ANDRADE (1) , uma regulação provisória de interesses. Nem faria sentido que fosse de outra forma dado que está aqui apenas em causa o acautelamento de um direito até ao proferimento da decisão definitiva.


A provisoriedade terá duas consequências. Por um lado a decisão nela proferida tem a sua eficácia temporalmente delimitada, podendo caducar nos termos e nas situações previstas no art. 123.º CPTA (caducando mesmo com a execução da decisão principal). Por outro lado o tribunal dispõe da possibilidade de alterar ou revogar as providências anteriormente decretadas (ou não, em caso de recusa). Tal decorre do facto de ter havido uma alteração das circunstâncias, como previsto no n.º1 in fine do art. 124.º, podendo a providência adoptada já não se mostrar adequada à defesa da acção principal.


Cabe agora atender à sumariedade. Para se entender esta é primeiramente necessário perceber melhor a urgência inerente à tutela cautelar, sendo a celeridade exigida pelo periculum in mora. Como o próprio nome indica, o mesmo prende-se com situações em que existe perigo na mora, sendo a composição provisória do litígio o modo de evitar um prejuízo grave e dificilmente reparável que ameaça um bem jurídico. Este periculum tanto pode dar lugar a uma providência conservatória que vise manter a situação como está (periculum in mora de frutuosidade) ou a uma providência antecipatória que procure adiantar-se a determinada ocorrência, antecipando uma solução (periculum in mora de retardamento). De qualquer modo, se faltar esta iminência de se sofrer uma lesão ou um dano que justifica o recurso aos tribunais, então a composição provisória da situação não é justificada.


Como tal, a iminência do prejuízo nestas situações é tão premente que, em curto prazo, é necessário a instauração de medidas urgentes, depois de um breve exame durante o qual o juiz tem apenas de se convencer da probabilidade e verosimilhança da existência do direito. Assim, para que seja decretada uma providência cautelar, tem que se provar que a situação jurídica alegada é provável ou verosímil – há assim apenas uma necessidade de aparência das pretensões, do direito em causa. Esta exigência diz respeito ao fumus bonis juris.


É aqui que entra a sumariedade. Na verdade, basta um sumário apuramento dos factos constitutivos – summaria cognitio – sendo que, para que a providência seja emitida, a existência do direito em causa se apresente como provável ou verosímil. O grau de prova não é assim o mesmo que é requerido durante a composição da acção principal, dado que a celeridade exigida nas providências cautelares não se coadunaria com a exigência de um grau de prova superior.


A Prof. ISABEL FONSECA tem aqui uma opinião diferente e particular. De facto, considerando que a intimação para um comportamento é um processo autónomo, afirma que o periculum in mora e o fumus boni iuris não são condições de mérito. Como tal o juiz nunca se guiaria por juízos de mera probabilidade ou de verosimilhança (2). Não é esta, contudo, a opinião maioritária da doutrina.


Deste modo cabe atender ao conteúdo do art. 120.º CPTA, segundo o qual deve o juiz fazer um juízo de prognose, de modo a avaliar se a decisão principal vem a ser inútil por via de não se ter actuado atempadamente. Este prevê vários graus de urgência, pensando-se que a opinião maioritária é a que deve ser seguida pois, da análise das várias alíneas deste artigo, bem como ao atinente no art. 112.º n.º 2 f) (“alegada violação”), não se consegue retirar a exigência de uma certeza para o decretamento de uma providência, mas sim apenas a exigência de uma probabilidade.


No âmbito das providências cautelares apela-se ainda a uma ideia de proporcionalidade de modo a aferir se as medidas requeridas não provocarão um prejuízo injustificado, desproporcionado relativamente aos interesses que o requerente deseja acautelar ou tutelar provisoriamente.


Esta ideia de proporcionalidade está interligada com a necessidade e adequabilidade da providência. Tal está patente no art. 120.º n.º3 CPTA. Como tal, a extensão da providência tem que ser apenas a necessária ao acautelamento da situação.


Estes são os principais aspectos no que toca à tutela cautelar. Cabe agora perceber as diferenças desta para a tutela urgente.


Os processos urgentes são também caracterizados pela ideia de celeridade e urgência mas, enquanto nas providências cautelares não é proferida uma decisão definitiva, aqui procura-se precisamente o inverso – uma decisão de mérito num processo veloz.


Aqui não há uma dependência de um processo principal pois o processo principal é o próprio processo urgente. Simplesmente pretende-se uma decisão onde a cognição seja tendencialmente plena nas palavras do Prof. VIEIRA DE ANDRADE, mas evitando-se a morosidade inerente ao processo comum. A necessidade de celeridade prende-se com os bens jurídicos que estão aqui em causa ou com certas situações que, pela sua natureza, não se compadecem com uma demora processual. Como se referiu os processos urgentes encontram-se explanados no art. 36.º CPTA.

Outra grande diferença que separa a tutela cautelar da tutela urgente prende-se com o facto de apesar de se estar perante um processo mais rápido em que necessariamente não há uma análise e tramitação tão detalhada (sendo inclusive os prazos mais curtos) como nos restantes processos principais, o que é certo é que é exigida uma prova certa e segura que permita chegar-se a uma conclusão acertada. De facto, se o que se visa é o proferimento de uma decisão definitiva, não faria sentido exigir-se apenas um juízo de probabilidade. Enquanto nas providências cautelares tal chega pois a situação ainda será analisada no âmbito do processo principal, aqui, sendo este o processo principal, tem que se estar perante uma certeza que permita a tomada definitiva de uma decisão que forme caso julgado material.


Nos processos urgentes podemos distinguir as impugnações urgentes das intimações. As primeiras prendem-se com questões relacionadas com a verificação da legalidade de pronúncia da Administração. Para tal temos o contencioso eleitoral, previsto no art. 97.ºss e o contencioso pré-contratual, previsto no art. 100.ºss.


No que diz respeito às intimações estas prendem-se com uma imposição judicial de um comportamento dirigida, na maioria dos casos, à Administração. Temos assim a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, prevista no art.104.ºss e a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, no art. 109.º ss CPTA.


Resta apenas fazer uma breve referência ao facto de o art. 121.º e o art. 132.º n.º7, apesar de referentes às providências cautelares, poderem levar ao surgimento de novos processos urgentes.

Está assim feita a destrinça entre a tutela cautelar e a tutela provisória, ambas bastante importantes no contencioso administrativo.



Bibliografia

ALMEIDA, Mário Aroso de, O novo regime do processo nos tribunais administrativos, Almedina, Lisboa, 2005;
ANDRADE, José Vieira de, A Justiça Administrativa – lições, Coimbra, Almedina, 2009;
CUNHA, Freitas Martins, GOUVEIA, Ana, A tutela cautelar no contencioso administrativo: em especial, nos procedimentos de formação dos contratos, Lisboa, 2002;
DAVID, Sofia, Das intimações – Considerações sobre uma (Nova)Tutela de urgência no Código de Processo dos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 2005;
FONSECA, Isabel Celeste M, Introdução ao estudo sistemático da tutela cautelar no processo administrativo : a propósito da urgência na realização da justiça, Almedina, Coimbra, 2002;
FONSECA, Isabel Celeste M., Dos novos processos urgentes no contencioso administrativo: função e estrutura, Lex, Lisboa, 2004;
ROQUE, Miguel Prata, Reflexões sobre a reforma da tutela cautelar administrativa, Almedina, Lisboa, 2005;
SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Almedina, Coimbra, 2009.


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(1) Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa – lições, Coimbra, Almedina, 2009, p. 361.

(2) Cfr. ISABEL FONSECA, Introdução ao estudo sistemático da tutela cautelar no processo administrativo : a propósito da urgência na realização da justiça, Almedina, Coimbra, 2002, p. 381 e 382.

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