quarta-feira, 25 de maio de 2011

A intimação para (e só para) protecção de direitos, liberdades e garantias?

A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias constitui um dos meios de tutela destes direitos fundamentais.


O art. 20.º n.º 5 da CRP impõe a criação de procedimentos judiciais céleres e prioritários que permitam defender os direito, liberdades e garantias de ameaças ou possíveis lesões. Saliente-se, pois tal é importante para a problemática que será aqui abordada, que o art. 20.º n.º 5 se refere a direitos, liberdades e garantias pessoais apenas, não se referindo portando aos de participação política ou aos referentes aos trabalhadores que vêm igualmente previstos na Constituição. De qualquer modo esta norma demorou algum tempo a ser concretizada até porque em Portugal não se adoptou o recurso de amparo existente em outros países.


O recurso de amparo diz respeito a uma “acção destinada à condenação de uma entidade pública numa actuação ou omissão, em virtude da violação passiva ou activa, actual ou iminente, de direitos fundamentais (1) . Seria assim um meio específico de protecção destes direitos. De todas as maneiras a amplitude da letra do art. 20.º n.º 5 CRP é tão grande que deu liberdade ao legislador de encontrar outras formas de defesa destes direitos.

Uma dessas formas foi precisamente a intimação para direitos, liberdades e garantias. Cumpre precisar que a intimação é um processo urgente, sendo que, em situações de especial urgência e necessidade de celeridade no proferimento de uma decisão de mérito, será a ela que se deve recorrer.


Existe contudo uma questão de enorme importância que diz respeito ao facto de saber se esta intimação poderá ser aplicada a direitos análogos aos direitos, liberdades e garantias.


A Prof. CARLA AMADO GOMES considera que o art. 17.º da CRP demonstra que há uma grande diluição nas fronteiras existentes entre os direitos, liberdades e garantias e os direitos fundamentais que têm uma natureza análoga aos referidos. Assim, se a aplicação de um regime a uns e a outros não choca a Lei Fundamental então, no seio das intimações, também não existe razão para diferenciar. Por outro lado, no art. 109.º CPTA o legislador também não faz uma referência ao carácter pessoal abrangido pela intimação. Se o tivesse feito não haveria dúvidas em como estar-se-ia perante um processo urgente aplicável apenas aos direitos, liberdades e garantias e, dentro destes, apenas aos pessoais, excluindo-se os de participação política e os dos trabalhadores.


A Dra. SOFIA DAVID partilha a mesma opinião, considerando que a opção do legislador ordinário não foi apenas a de conferir tutela aos direitos, liberdades e garantias pessoais, como se afirma no art. 20.º n.º 5 da CRP. Considera assim que o n.º 4 do referido artigo impõe, de facto, uma tomada de posição, mas que se está perante uma situação em que existe uma certa margem de liberdade quanto à actuação do legislador, em virtude de se procurar soluções que ofereçam a melhor protecção dos cidadãos.


O Prof. VIEIRA DE ANDRADE, o Prof. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e a Dra. ANA SOFIA FIRMINO partilham a mesma opinião.


O Dr. JORGE GUERREIRO MORAIS considera igualmente que a disposição do art. 109.º abrangerá os direitos fundamentais análogos a direitos, liberdades e garantias. Mas este afirma que, para tal, não é preciso que estejam inseridos no texto constitucional, podendo estar previstos em lei ordinária. Distancia-se aqui da Prof. CARLA AMADO GOMES que considera que abrir portas aos direitos fundamentais previstos em lei ordinária seria levantar dúvidas de qualificação ao julgador, alargando de forma desnecessária e excessiva o âmbito da intimação aqui em causa, e ainda o facto de a Constituição abarcar a maioria e os mais importantes direitos fundamentais, não havendo necessidade de ainda atender à lei ordinária.

Cabe ainda salientar a opinião do Prof. JORGE REIS NOVAIS que vai na mesma linha do Prof. JORGE GUERREIRO MORAIS mas ainda mais ampla, pois afirma que a intimação deveria ainda proteger aqueles direitos resultantes da concretização através de lei ordinária dos direitos sociais.


Cumpre dar a nossa opinião. Face a este panorama, tendemos a concordar com as opiniões que consideram que a intimação para direitos, liberdades e garantias não deverá ser somente aplicável a estes, mas também àqueles direitos que a Constituição, e só a Constituição, considera que têm natureza análoga. De facto, cremos que se está perante uma situação idêntica com a que se prende com a defesa dos direitos fundamentais no âmbito da Constituição. Ora, se a própria permite, através do seu art. 17.º, que o mesmo regime que é aplicado para os direitos, liberdades e garantias seja aplicado aos que têm natureza análoga, é porque esta considera que estes devem ser alvo de uma protecção semelhante. Não se descortinam razões para que um particular não possa lançar mão de uma intimação quando esteja em causa um direito social, por exemplo. A lesão provocada ao cidadão, tratando-se de um direito fundamental, é de grande importância, merecendo uma resposta adequada da justiça. Penso que estar-se-ia assim a coarctar a defesa do particular quando este pretenda obter uma decisão de mérito referente a um direito fundamental, seja ele direito, liberdade e garantia ou direito análogo.



Bibliografia

ANDRADE, José Vieira de, A Justiça Administrativa – lições, Coimbra, Almedina, 2009;
DAVID, Sofia, Das intimações – Considerações sobre uma (Nova)Tutela de urgência no Código de Processo dos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 2005;
FIRMINO, Ana Sofia de Sousa, A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, Lisboa, 2004;
GOMES, Carla Amado, Pretexto, contexto e texto da intimação para protecção de direitos, liberdade e garantias, Coimbra, Almedina, 2003;
MORAIS, Jorge Guerreiro, A sensibilidade e o bom sensu no Contencioso Administrativo, Lisboa, 2007;
ROQUE, Miguel Prata, Reflexões sobre a reforma da tutela cautelar administrativa, Almedina, Lisboa, 2005.




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(1) Cfr. CARLA AMADO GOMES, Pretexto, contexto e texto da intimação para protecção de direitos, liberdade e garantias, Coimbra, Almedina, 2003.

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