terça-feira, 10 de maio de 2011

A Concretização da Tutela Jurisdicional de Direitos, Liberdades e Garantias no Contencioso Administrativo: O que é, afinal, o Recurso de Amparo?

Aos diferentes tipos de actos jurídico-públicos correspondem modos diferentes de reacção judicial – inconstitucionalidade (directa) ou ilegalidade -, conforme a sua relação com a Constituição (doravante CRP).
Uma vez que, em Portugal, a constitucionalidade das normas é controlada de forma difusa, concreta e incidental, podendo os cidadãos argui-la por via de excepção, acção de simples apreciação ou recorrendo para o Tribunal Constitucional (doravante, TC), verificados os pressupostos do art.º 280º, se estiverem em causa actos jurisdicionais ofensivos de direitos das pessoas, há lugar a impugnação (268, nº4 CRP), em princípio, por via de recurso ou reclamação, existindo um direito geral de recurso dos actos jurisdicionais (20º e 210º CRP).
Sendo tarefa fundamental do Estado, a defesa e promoção dos Direitos Fundamentais (art.º 9, b) CRP), foi introduzido na revisão constitucional de 1997 o direito à tutela plena e efectiva (agora também e em especial) dos direitos, liberdades e garantias pelo aditamento de um nº 5 ao art.º 20º da CRP. Cabe então ao legislador ordinário (porque o preceito não é exequível por si mesmo) a sua concretização através da criação de um meio processual específicamente orientado para a protecção dos DLGs, podendo passar pelas jusrisdições administrativa ou cível, com ou sem recurso à instância Constitucional, através da especialização de meios existentes, ou através de “queixa constitucional”.
Esta queixa constitucional teria contornos semelhantes aos do Recurso de Amparo: na altura, o Prof. Jorge Miranda defendia a introdução de uma norma sobre recurso de amparo sobre decisões do TC, o que (i)implicaria a alteração do art.º 280º e (ii)conferiria nova competência ao juiz ordinário em caso de omissão legislativa que afectasse o exercício de um Direito Fundamental (doravante, DF). Passar-se-ia, então, a poder colocar a questão perante o TC, o que, por sua vez, implicaria a alteração do art. º 283º CRP.
Mas o que é o Recurso de Amparo?
Com origem no sistema de controlo das leis norte-americanas, foi no México que recebeu este nome, vindo a ser adoptado por outros países latino-americanos. Na Europa, a Alemanha viria a ser o primeiro país a adoptá-lo, seguindo-se a Espanha e a Suíça.
Em termos genéricos, o Recurso de Amparo é um direito/garantia constitucional à tutela jurisdicional dos  direitos, liberdades e garantias (doravante DLGs), concretizado numa acção, em moldes semelhantes aos do recurso contencioso de anulação, só podendo ser um verdadeiro recurso, se préviamente se impugnar uma sentença violadora de DFs junto de um tribunal superior.
Na classificação da Prof.ª Doutora Carla Amado Gomes, constitui um meio jurisdicional exclusivamente destinado à protecção de DLGs com intervenção do TC (directa ou indirecta), através da condenação de uma entidade pública numa actuação ou omissão, pela violação, passiva ou activa, actual ou iminente, de direitos fundamentais. Exige-se, no entanto, que o lesado haja esgotado as vias jurisdicionais ordinárias antes de recorrer à instância de controlo da constitucionalidade.
O Amparo pode ser especial (visa a tutela de um único direito ou de um conjunto de faculdades que derivem de um mesmo direito), coexistindo normalmente com o geral (visam tutelar um conjunto diversificado de direitos) e, dentro destes, amplo (incidindo sobre uma categoria de direitos) ou restrito (aplicável a uma lista taxativa de direitos).
Facto é que nunca se conseguiu atingir a maioria de aprovação necessária para a introdução no ordenamento de um Recurso de Amparo, levando parte da doutrina a considerar inadequada a estrutura procedimental efectivamente prevista para tão vasto leque de DFs.
Simultâneamente, o Professor Jorge Miranda diz, hoje, que o problema se encontra atenuado pela jurisprudencia do TC quanto à fiscalização concreta da constitucionalidade, bem como pelo direito de acesso ao TEDH por qualquer cidadão contra violações dos seus direitos pelo respectivo estado.
Opondo-se à introdução da figura, os Prof. Alves Correia e Rui Medeiros, sublinham como desvantagens (i)o favorecimento da lentidão na justiça, a precarização do DF à obtenção de uma decisão jurisdicional em prazo razoável (não se afigurando para nós, estes, fortes argumentos, uma vez que tal já se verifica), (ii) o risco de inundação do TC (a protecção dos DFs parece-nos merecer e justificar plenamente um eventual e consequente reforço dos serviços do TC, que não parece necessário dada a raridade com que haveria lugar a recurso directo para o TC), bem como o facto de, (iii)mesmo nos países que o adoptaram, só uma pequena percentagem das acções constitucionais proceder (no entanto, consideramos que a percentagem que procede, não deixa de merecer tutela) e esta solução (iv) menosprezar o regime misto de constitucionalidade consagrado, que prevê o acesso pleno dos cidadãos a órgãos de justiça constitucional, nomeadamente porque os tribunais em geral o são.
Cedemos neste ponto, seguindo o professor Blanco de Morais quando diz que o sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade das normas tem um pendor subjectivista pelo que preenche algumas das funções tradicionais de amparo e admitindo as dificuldades de harmonização que a sua introdução representaria com o sistema português de fiscalização da constitucionalidade.
Ficam, como sustêm as Dr. ª Ana Sofia Firmino e Prof.ª Carla Amado Gomes, por preencher as “zonas em branco” de garantia jurisdicional de actos jurídico- públicos.
Como concretização do art.º 20º, nº 5, o legislador acabou por consagrar, no art.º 97º do CPTA, a figura dos processos urgentes, modalidade caracterizada pela prioridade e celeridade na formulação de uma apreciação definitiva do mérito que merecem determinadas matérias, em determinadas circunstâncias e em face dos bens ou direitos a tutelar. Estes distinguem-se das providências cautelares porquanto que estas, ainda que urgentes, se caracterizam pela acessoriedade e provisoriedade em relação a um processo principal.
O CPTA (ainda que não imponha numerus clausus de processos urgentes, como se retira expressamente do nº 1 do art.º 36º) autonomiza, (i) as impugnações relativas a eleições (97. º, ss) e (ii) à formação de determinados contratos (art.º 100º e ss), bem como as intimações, ou seja, processos urgentes de condenação, visam a imposição judicial, em regra, dirigida à Administração, da adopção de comportamento/prática de actos administrativos. Temos, então, as intimações (iii) para prestação de informações (art.º 104º, ss), a par das (iv) que visam a tutela de direitos, liberdades e garantias (art.º 109º, ss).
Esta última, nas palavras da Professora carla Amado Gomes, constitui um simulacro de acção de amparo constitucional.

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