terça-feira, 24 de maio de 2011

Breve Reflexão sobre a articulação do n.º1 do art.128.º com o art.131.º do CPTA

De entre as questões que a aplicação do art.131.º do CPTA suscita, a articulação (ou não) do decretamento provisório de providência de suspensão de eficácia com a proibição de executar o acto consagra no n.º1 do art.128.º do CPTA, é a que maiores dificuldades tem levantado.


De acordo com o art.128.º a recepção, pela autoridade administrativa, do duplicado do requerimento cautelar tem o efeito automático de impedir a execução do acto, sendo que esse efeito automático só se levanta se, dentro do prazo de 15 dias, a entidade requerida proferir a resolução fundamentada.


Segundo Mário Aroso de Almeida[i]é duvidosa a qualificação do regime previsto no art.128.º, em si mesmo, como um incidente do processo cautelar”, pois, este artigo, pressupõe a instauração de um processo cautelar, mas a disciplina que introduz parece ser extra-judicial , so sendo jurisdicionalizado nos termos do n.º4, ou seja, quando o requerente cautelar venha pedir ao juiz cautelara a declaração de ineficácia de eventuais actos de execução indevida.


O regime deste art.128.º, visa dar resposta à demora do próprio processo cautelar, procurando acautelar a situação do requerente da suspensão da eficácia durante a própria pendência do processo cautelar. Mas esta não é também a função do art.131.º? Somos tentados a afirmar que o art.128.º desempenha uma função equivalente à do art.131.º, que com idêntico fim, mas aplicabilidade ”aparentemente” indistinta a todo o tipo de providências, introduziu a possibilidade do decretamento provisório de providências cautelares, para acautelar a situação do requerente até ao momento em que seja proferida a decisão final do processo cautelar[ii].


Face ao exposto passamos à análise da possível articulação do art.128.º com o art.131.º


Um entendimento possível é o de entender que cada um visa dar resposta a tipos diferenciados de situações[iii]. Assim o regime do art.128.º, é o regime aplicável às decisões unilaterais de autoridade, com exclusão do estabelecido no art.131.º, e sem que o imperativo de assegurar uma tutela jurisdicional efectiva nesse domínio exigisse a possibilidade de decretamento provisório da suspensão de eficácia, ao abrigo do art.131.º, na medida em que nda obstaria a que, em situações de especial urgência, o autor requeresse a “citação urgente” d autoridade requerida, caso em que a petição seria presente a juiz, que se considerasse procedentes as razões, determinaria que se procedesse à citação ainda antes da distribuição do processo, face a este condicionalismo, a proibição de executar o acto poderia ter lugar de imediato, com salvaguarda dos interesses de celeridade que justificam o recurso ao decretamento provisório da providência[iv].


Entendimento diferenciado é perfilhado por Mário Aroso de Almeida[v]. O autor defende uma “complementaridade” entre ambos os regimes, admitindo a possibilidade do decretamento provisório da suspensão da eficácia de actos administrativos[vi]. O regime do art.131.º visa conferir resposta a um tipo delimitado de situações com especial gravidade em que existe o risco da “lesão iminente e irreversível” de direitos, liberdades e garantias. Por seu turno o regime do art.128.º é de aplicabilidade indiferenciada a todo o tipo de situações em que seja requerida a suspensão de eficácia de actos administrativos. Assim sendo, o art.128.º só opera quando tenha sido ou não, pedido o decretamento provisório da suspensão e o juiz não a tenha concedido no despacho liminar, é pois, nestes casos, em que a entidade requerida é citada sem que o decretamento provisório tenha ocorrido, que ela fica proibida de executar o acto, sem prejuízo da possibilidade da emissão de resolução fundamentada, nos termos do art.128.º.


Há, contudo, que considerar que o mecanismo do art.128.º admite que a Administração, mediante resolução fundamentada, inutilize o efeito previsto no n.º1 do art.128.º, conseguindo assim executar o acto suspendendo e, eventualmente, tornar inútil o posterior decretamento da providência requerida. Nos casos de irrepetibilidade da situação previamente existente, uma vez declarada a ilegalidade da execução, nomeadamente porque não foi apresentada resolução fundamentada, restará ao particular reclamar a reparação pelos danos causados, havendo nestes casos uma verdadeira denegação da justiça[vii].


É por isto que o decretamento provisório da providência, reforçando o controlo jurisdicional dos interesses em confronto, cuja ponderação não é feita unilateralmente pela Administração em resolução fundamentada, mas pelo juiz administrativo, constitui, indubitavelmente uma mais-valia na tutela dos interesses dos administrados.


Neste ponto caberá perguntar se a interpretação conforme com o princípio da tutela jurisdicional efectiva (do regime reforçado da tutela de direitos, liberdades e garantias e da presunção da correcta expressão pelo legislador da sua vontade), é aquela que garante ao interessado a intervenção atempada do Tribunal, quando se trate de tutelar o seus direitos ou assegurar a tutela da decisão cautelar. Ou pelo contrário, terá sido intenção do legislador permitir que quando se trate de acautelar direitos ou assegurar a utilidade da decisão cautelar, baste que para a suspensão do acto se produzam situações de facto consumado? Não parece ser este o entendimento, pois quem “pode o mais pode o menos”, ou seja, quem pode decretar provisoriamente providências que antecipam direitos ainda não definitivamente reconhecidos pode, também, decretar, a titulo provisório, providências que apenas conservam na ordem jurídica do interessado direitos litigiosos.


As restantes situações que se insiram na previsão do art.131.º, o decretamento provisório, permitirá suplantar algumas das insuficiências apontadas pela doutrina ao mecanismo do art.128.º, nomeadamente, quanto o argumento da desprotecção dos interesses dos contra-interessados nas relações jurídicas multiangulares, uma vez que, se o decretamento provisório ocorre, numa primeira fase, sem que se atendam aos interesses do requerido e contra-interessados, esta decisão estará obrigatoriamente sujeita a revisão num prazo de 5 dias (art.128.º, n.6), ponderando-se nessa altura os interesses antagónicos e, também os dos contra-interessados.


Em suma, as reticencias em admitir a possibilidade de decretamento provisório de providência de suspensão de eficácia estão intimamente associados à noção enraizada de que é à Administração que cabe prosseguir o interesse público e que, portanto, poderá inutilizar a proibição de execução automática do acto suspendendo, quando entenda que o diferimento da execução causa grave prejuízo para o interesse público.


Face ao exposto, temos que concluir, afirmando que o decretamento provisório só se impõe quando estejam em causa direitos, liberdades e garantias, pois, até em situações de especial urgência, apenas se justifica o decretamento provisório quando exista o risco de perda de utilidade da lide cautelar.


O legislador é prudente quando admite que o requerente da providência para tutela de direitos, liberdades e garantias remeta para o tribunal a ponderação dos interesses em confronto, por oposição à declaração unilateral da Administração, prevista no n.º1 do art.128.º


Estela Guerra, n.º 17269








[i] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010, p.459.



[ii] Mário Aroso de Almeida e Carlos Esteves Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativo, Almedina, 3.ª edição, 2010, p.853.



[iii] Posição defendida por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 11.ª ed., Coimbra, 2011, p.323, nota de rodapé n.º883.



[iv] Jorge de sousa, Notas práticas sobre o decretamento provisório de providências cautelares, CJA, n.º47, p.55-56.



[v] Mário Aroso de Almeida e Carlos Esteves Cadilha, Comentário…, op.., cit., p.854.



[vi] Acórdão do TCA Sul de 8 de Março de 2007, Processo n.º2202/06 defende a mesma posição.



[vii] Sofia Ventura, Decretamento provisório de Providências Cautelares no contencioso administrativo, Revista de Direito Público e Regulação- Centro de Estudos de Direito Público e Regulação, n.º5, Março de 2010, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p.118.

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