terça-feira, 24 de maio de 2011

Comentário ao Acórdão STA de 28.12.2006, (Processo nº01061/06) Recurso Hierárquico Necessário


No acórdão que cabe analisar, foram essencialmente salientadas duas questões:


1 - Em termos genéricos, saber se a mais recente redacção do art268º/4 da CRP, introduzida na RC de 97, é compatível com disposições que prevêem impugnações administrativas necessárias.


2 - Em termos concretos, perceber se as disposições dos artigos 73º/75º do Estatuto disciplinar dos funcionários públicos e agentes da administração central, regional e local, na parte em que exigem a interposição de recurso hierárquico, como condição de impugnação contenciosa do acto, se mantêm em vigor após a última Reforma do Código do Processo nos Tribunais Administrativos.

Infelizmente, pela simples razão de delimitação do conteúdo desde post, irei efectivamente cingir-me apenas à primeira questão, mas compreendo que os problemas em sede da problemática do Recurso Hierárquico Necessário não se esgotam sequer nestas duas questões.


Em primeiro lugar importa referir que estamos perante quesitos que erguem, ainda hoje, bastante controvérsia, principalmente na doutrina.


Quanto à primeira questão, importa referir as alterações sofridas pelo art268º da CRP.


A redacção do art268º/4 CRP, introduzida pela Lei nº1/89, de 8 de Julho, no âmbito na 2ª Revisão Constitucional, eliminou a referência à definitividade e executoriedade do acto administrativo, constante do nº3 do art268º CRP, na redacção inicial, como requisito da sua recorribilidade contenciosa, passando a referir a garantia de recurso contencioso à lesividade do acto.


Oito anos mais tarde, o art268º/4 CPR foi novamente alterada, desta vez pela Lei nº1/97, de 20 de Setembro, que veio a inserir a garantia de “Tutela Jurisdicional efectiva dos direitos, liberdades e garantia, incluindo, nomeadamente (…) a impugnação de quaisquer actos administrativos”.


Será que com a nova redacção do art268º/4 CRP fere de inconstitucionalidade as normas que consagram impugnações administrativas necessárias?


Relativamente a este ponto existem duas correntes doutrinarias opostas, uma corrente defendida pelo Prof. Mário Aroso de Almeida (também seguida pelo Prof. Viera de Andrade), protectora da constitucionalidade das referidas disposições, e em sentido oposto, a corrente liderada pelo Prof. Vasco Pereira da Silva (também adoptada pelo Prof. Paulo Otero), defensora da inconstitucionalidade da regra do recurso hierárquico necessário.


O Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA é apologista da inconstitucionalidade pois, entende que à luz do Principio da plenitude da tutela dos direitos dos participantes estamos perante “uma verdadeira negação do direito fundamental de recurso contencioso” 1) .


Para além desde princípio, o Prof. chama ainda à colação para demostrar a inconstitucionalidade a violação do Princípio da separação entre a Administração e a Justiça (arts114º, 205º e seguintes e 266º e seguintes da CRP) e do Princípio da desconcentração Administrativa (art267º/2 da CRP).


Relevando especialmente para a análise do nosso acórdão 2) , o autor, defende por último a violação do Princípio da Tutela, em razão do efeito preclusivo da impugnabilidade da decisão administrativa, no caso de não ter havido interposição prévia de recurso hierárquico no prazo determinado no art168º/2 CPA, pois ” inutiliza na prática, a possibilidade de exercício do direito” 3) .


Já o Prof. Mário Aroso de Almeida, apoiando-se na jurisprudência do TC e do STA que se têm pronunciado pela constitucionalidade das disposições legais avulsas que prevêem mecanismos de impugnação administrativa necessária, alega que “a eliminação do conceito de acto definitivo e executório e a sua substituição, no texto do art268º/4 da CRP, pelo acto lesivo não impede o legislador ordinário de estipular pressupostos processuais específicos para a impugnação contenciosa de actos administrativos” 4) .


Eu tendo a concordar com a posição sufragada pelo último autor e também elegida pelo STA no acórdão em análise. O STA reconhece que a conjectura actual, relativamente a esta temática, vai no sentido de se aumentar a possibilidade da impugnação directa imediata dos actos administrativos, chegando mesmo a admitir a “possibilidade futura de vir a ser sustentada a inconstitucionalidade das disposições avulsas que prescrevem uma prévia reclamação ou recurso administrativo necessário”.


Mas também, relembra o STA, o disposto no acórdão do TC nº425/99, que do art268º/4 da CRP não resulta “a ideia de que todo o acto não aquiesça às pretensões de um cidadão é imediatamente recorrível para os Tribunais”.


Penso em anuência com o acórdão que só haverá inconstitucionalidade se o direito de acesso ao Tribunal for de tal forma comprimido que estejamos perante uma restrição intolerável. No fundo, que se prejudique de forma desproporcionada a tutela judicial efectiva dos cidadãos.


É, a meu ver, imperioso concluir pela compatibilidade das disposições que prevêem impugnações administrativas necessárias com a norma constitucional, art268º/4.



Bibliografia:


- VASCO PEREIRA DA SILVA, O contencioso administrativo no divã da psicanálise, 2ºedição 2009
- MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Código de processo dos tribunais administrativos anotado
- Jurisprudência
- Acórdão do TC nº425/99
- Acórdão STA de 28.12.2006


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1)VASCO PEREIRA DA SILVA, O contencioso administrativo no divã da psicanálise, 2ºedição 2009, pag348
2) Visto no caso em apreço, julgou-se intempestivo o recurso hierárquico interposto pela recorrente ao abrigo do citado preceito legal e não tendo a mesma impugnado essa decisão, determinou-se que faltava um pressuposto processual necessário para a impugnação por via contenciosa.
3) VASCO PEREIRA DA SILVA, O contencioso administrativo no divã da psicanálise, 2ºedição 2009, pag349
4)MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Código de processo dos tribunais administrativos anotado, pag349



Ana Filipa dos Santos Pascoal n.º 17573

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