quarta-feira, 25 de maio de 2011

A DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE POR OMISSÃO


O artigo 77º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos regulamenta a ilegalidade por omissão. Esta consiste na possibilidade de, em acção administrativa especial se suscitar um pedido de apreciação da ilegalidade por omissão de normas regulamentares devidas, quer esse dever de regulamentar (omitido) resulte, de forma directa, de referência expressa de uma concreta lei, quer decorra, de forma indirecta[1], de uma remissão implícita para o poder regulamentar em virtude da incompletude ou da inexequibilidade do acto legislativo em questão[2].

Como inspiração desta figura podemos apontar, seguramente, a possibilidade de fiscalização da constitucionalidade por omissão de actos legislativos, nos termos do artigo 283º, da Constituição da República Portuguesa.

São pressupostos do pedido de declaração de ilegalidade por omissão:

a) Que a omissão seja relativa à falta de emissão de normas cuja adopção possa considerar-se, sem margem para dúvidas, como uma exigência da lei: significa isto que, apenas se poderá verificar inércia regulamentar em relação a regulamentos de execução ou regulamentos complementares, ou seja, em relação a regulamentos necessários para dar exequibilidade a preceitos específicos de um determinado diploma legislativo ou para desenvolver os fins e o sistema normativo que constem genericamente de uma lei (estão, por isso, excluídos deste âmbito, os regulamentos independentes, previstos no artigo 112º, n.º7, da C.E.P., em que a lei se limita a indicar a autoridade que deverá emitir o dito regulamento e a matéria sobre que versa).

b) Que o acto legislativo careça de regulamentação para ser exequível: este pressuposto traduz-se na necessidade de faltarem na lei os elementos que permitem a sua aplicação aos casos da vida visados no âmbito da mesma, elementos esses cuja definição o legislador voluntariamente endossa para concretização através de regulamento. De salientar ainda que uma lei que careça de regulamentação apenas numa parte, não se torna inexequível no seu todo por falta dessa regulamentação, apenas na parte em que esta inexiste.

c) Que a obrigação de regulamentar se tenha tornado exigível, por ter decorrido o prazo para efectuar a regulamentação: isto é, que tenha já decorrido o prazo que a própria lei habilitante fixou para a regulamentação ou, na ausência de indicação legislativa de um limite temporal expresso, que se tenha já verificado uma excessiva dilação e não operem quaisquer circunstâncias que tornem inexigível a emissão do regulamento.

Para este tipo de acção possuem legitimidade os sujeitos enunciados no artigo 9º, C.P.T.A., conforme definido pelo artigo 77º, n.º 1, do C.P.T.A., ou seja, admite-se a acção popular e pública, relativamente aos interesses comunitários referidos no artigo 9º, bem como a legitimidade de quem alegue um prejuízo directamente resultante da situação de omissão, sendo que este prejuízo tem de ser directo e actual. Este interesse individual pode consistir numa posição jurídica substantiva ou num mero interesse de facto. Em qualquer dos casos, deverá tratar-se de um direito subjectivo ou de interesse de facto que derive directamente da norma, ou que seja por ela reconhecido, e que careça de regulamentação para se tornar exequível.

Questão que se coloca relativamente a esta matéria é, sobretudo, a relativa à natureza da sentença. Esta, por um lado, reconhece a existência de um dever e, por outro, estabelece um prazo para o seu cumprimento. Contrariamente ao disposto para a inconstitucionalidade por omissão, o regime do artigo 77º, n.º 2, C.P.T.A. não se limita a conferir ao tribunal o poder de dar conhecimento da situação de omissão ao órgão competente, ainda lhe atribuindo o poder de fixar o prazo, não inferior a seis meses[3], dentro do qual a omissão deverá ser suprida.

Há que distinguir, segundo o Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva, duas situações, consoante existe um dever legal de emissão de regulamento, mesmo se a lei (de que resultava tal dever) conferia à autoridade dotada de poder regulamentar uma ampla margem de discricionariedade na conformação do respectivo conteúdo, caso em que o tribunal se deveria limitar à condenação na emissão do regulamento, podendo no entanto o juiz, quando muito, fornecer algumas indicações quanto ao modo de exercício desse poder discricionário ou, por outro lado, não existe apenas o dever legal de emitir o regulamento mas também a obrigatoriedade dele possuir um determinado conteúdo, pré-determinado pelo legislador (o A. utiliza a expressão “regulamentos de execução com forte ligação umbilical à lei”), admitindo este mesmo A., neste caso, a existência de uma sentença de condenação da emissão de regulamento com determinado conteúdo, à semelhança do que se passa com similares actos administrativos.

Considera o Prof. Dr. Mário Aroso de Almeida que estamos perante uma media via, entre a solução de alcance mais limitado de atribuir ao juiz um mero poder de declaração da omissão e a solução de alcance mais forte, de lhe atribuir o poder de condenar a Administração à emissão do regulamento devido, pelo que denomina esta situação de pronúncia declarativa de conteúdo impositivo. Entende ainda este A. que “o que aqui está em causa não é o (in)exercício da função legislativa (como sucede no artigo 283º, C.R.P.), mas o mero (in)exercício de um poder administrativo vinculado quanto ao an, uma vez que se trata do (in)cumprimento, por parte da Administração, do dever de dar exequibilidade, por via regulamentar, a determinações contidas em actos legislativos”. Esta sentença aproxima-se, contudo, mais de uma sentença de condenação do que de uma sentença meramente declarativa ou de simples apreciação, na medida em que, a não observância do prazo imposto para regulamentação pode ser qualificada como um acto de desobediência em relação à sentença, habilitando, por isso, o beneficiário da mesma a desencadear os mecanismos de execução adequados, em ordem a obter a fixação de um prazo limite, com imposição de uma sanção pecuniária compulsória aos responsáveis pela persistência da omissão (artigos 164º, n.º4, alínea d), 168º e 169º, C.P.T.A.).

Por sua vez, o Prof. Dr. Vieira de Andrade entende, semelhantemente, que “uma tal sentença, associada à fixação de um prazo, tem de entender-se como condenatória e não apenas como uma recomendação ou uma comunicação”, posição, aliás, à qual aderimos, na medida em que entendemos que além da terminologia utilizada, impõe-se atender ao conteúdo material das sentenças.

BIBLIOGRAFIA:

- Aroso de Almeida, Mário, “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, pp. 239-241, reimpressão da 4ª edição, Almedina, Janeiro 2007.

- Aroso de Almeida, Mário, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª edição, Almedina, 2010.

- Pereira da Silva, Vasco, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2ª edição, pp. 430-435, Almedina, Março 2009.

- Vieira de Andrade, José Carlos, “A Justiça Administrativa”, 11ª edição, pp. 216-218, Almedina, Fevereiro 2011.



[1] Diferentemente entende o Prof. Dr. Mário Aroso de Almeida, que considera ser necessário que seja a própria lei a remeter directamente para regulamento a concretização ou o desenvolvimento de determinados aspectos da normação jurídica nela contida.

[2] Noção avançada por Vasco Pereira da Silva, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, página 431, 2ª edição, Almedina, Março 2009.

[3] O Prof. Dr. Vieira de Andrade entende que a lei devia referir um “prazo razoável”, sem fixar limites quantitativos, até porque pode acontecer que seja exigível que a omissão seja suprida em menos de seis meses e não parece que esse limite mínimo acautele interesses administrativos dignos de protecção.

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