sábado, 21 de maio de 2011

Âmbito de Jurisdição

Análise do Acórdão do Tribunal de Conflitos de 26-04-2007


Cabe, antes de iniciar a análise do Acórdão proposto, proceder a uma breve súmula da situação em questão.

A. circulava numa auto-estrada do Norte do país quando lhe surgiram dois animais em plena faixa de rodagem. A. embateu contra um dos animais, perdendo o controlo do seu veículo e despistando-se. Em consequência do acidente, o carro sofreu “graves e avultados danos”. De forma a ser ressarcido dos prejuízos que sofreu, A. instaura contra a Brisa (concessionária para a construção, conservação e exploração da auto-estrada), no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, uma acção administrativa comum. Ora surge aqui o cerne da discussão, uma vez que a Brisa, na contestação, invoca a incompetência absoluta do Tribunal Administrativo em razão da matéria, com o argumento de que, apesar de, efectivamente, ser concessionária do Estado, tinha de ser afirmada a sua condição de “pessoa colectiva de direito privado, sociedade comercial cotada em bolsa, que não faz parte da Administração”.

O autor responde, alegando que a invocação desta excepção deve ser declarada improcedente, pois, a seu ver, a Brisa, como “concessionária”, responde nos mesmos termos em que o Estado perante terceiros pelo exercício dessa sua actividade de concessionária do serviço público”.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel julgou-se incompetente para dirimir este litígio, considerando competentes os tribunais judiciais.

Inconformado com a decisão, A. recorreu para o Tribunal Central Administrativo do Norte, que negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

Dado o desfecho da sua pretensão ter sido desfavorável, A., ao abrigo do disposto no art.107º/2 do Código Processo Civil, ex vi do art. 1º do CPTA, interpõe recurso para o Tribunal de Conflitos, que confirmará, a meu ver bem, a competência dos tribunais comuns para apreciar a acção.

Resumidamente, o Autor vem alegar que a Brisa, como concessionária do Estado, estando, nos termos do D.L. nº 294/97, adstrita à “construção, conservação e exploração da auto-estrada”, menosprezou esta segunda incumbência a que se encontra vinculada, de zelar, vigiar, conservar e reparar as vedações. Posto isto, prossegue a alegação no sentido de a Brisa dever ser responsabilizada enquanto entidade que desempenha uma função pública, indicando que “um serviço público, pelo facto de ser gerido por uma entidade privada não perde essa natureza”, defendendo, assim, a aplicação do preceituado na parte final da alínea f) e na alínea i) do nº 1 do art. 4º do ETAF, cabendo, desta feita, aos tribunais administrativos a apreciação da acção.

Cabe então, aferir qual a jurisdição competente para apreciar a questão, se a administrativa ou a comum.

Como já salientei, o Tribunal de Conflitos confirma a incompetência da jurisdição administrativa, diluindo as alegações do Autor, ao salientar que as alíneas do nº1 do art. 4º do ETAF citadas pelo Autor não são susceptíveis de aplicação, pois, como se refere, o que está em causa é um litigio entre A., entidade privada, e a Brisa, que não é mais do que outra entidade privada e, assim sendo, nada está indicado na lei que pressuponha a aplicabilidade do regime especifico da responsabilidade do Estado, não podendo, desta forma, estar em causa a alínea i) do nº1 do art.4º do ETAF. O mesmo ocorre quanto à aplicação da alínea f), na sua parte final, do mesmo artigo, já que, como é dito, “se a responsabilidade é (for) contratual, e se a Brisa é um concessionário a actuar no âmbito da concessão, nada há nos autos que as partes celebraram um contrato que permita ao Autor, contra o pagamento de determinada quantia, circular em segurança (sem animais a atravessar a faixa de rodagem), sujeitando a ré a um regime substantivo de direito público. Muito menos expressamente”. Nesta senda, o Tribunal esgrima um argumento que me parece relevante para acentuar esta clivagem no que concerne à natureza pública ou privada da Concessionária, indicando que “tem natureza manifestamente privada alguém contratar com outro alguém pagar um determinado preço (portagem) tendo como contraprestação um acréscimo de segurança (que o Estado não pode dar ao comum das estradas portuguesas que põe ao dispor dos cidadãos)”.

É, em minha óptica, acertada esta leitura realizada por este Tribunal, já que nada aponta no sentido de que seja aplicável à Brisa o regime específico da responsabilidade das pessoas colectivas de cariz público, por tudo o que já foi exposto.

Finalizo com um argumento que parece ser decisivo: o D.L. 294/97, que institui as bases da concessão, acentua, de forma cabal, a natureza privada que a concessionária assume perante terceiros, referindo que “serão da inteira responsabilidade da concessionária todas as indemnizações que, nos termos da lei, sejam devidas a terceiros em consequência de qualquer actividade decorrente da concessão”.

Sem comentários:

Enviar um comentário