segunda-feira, 28 de março de 2011

Laws of Attraction - A Jurisdição Administrativa em matéria Ambiental


Com a reforma do Contencioso Administrativo, mais especificamente, do art.º 4º do ETAF, alargou-se o âmbito de jurisdição dos seus tribunais, admitindo-se agora uma competência para apreciação de determinadas questões de âmbito privado. Algo, hoje, admissível no âmbito de um entendimento do conceito de relação jurídica administrativa como consagrado no art.º 212, nº3 CRP, na sua dimensão mínima, de critério de destrinça entre o que pertence aos tribunais ditos comuns em face do direito aplicável e o que pertence aos tribunais administrativos - agora comuns no âmbito jurídico-público (art.º 212, nº3 e 209, nº1 CRP) - e susceptível de alargamento pelo legislador ordinário. Este deve, então, mantê-lo como núcleo essencial de garantia institucional, mas já não como fronteira linear, Muralha da China entre jurisdições.  

Com o flexibilizar do conceito de relação jurídica administrativa, admite-se a atribuição de competência aos tribunais administrativos para conhecerem de matéria jurídico-privada (desde que verificada uma conexão funcional mínima), mas o inverso já será visto como um desvio excepcional, só admitido se necessário para garantia da tutela jurisdicional efectiva da relação controvertida sub judice, num momento concreto.  

Ou seja: regra geral, exigir-se-ia o exercício de competências administrativas para qualificar uma situação jurídica como pertencente a uma relação jurídico-administrativa, assim excluída dos tribunais comuns. Com a extensão da jurisdição administrativa a litígios de carácter não exclusivamente administrativo, mas jurídico-público cabe saber se o que está em causa é a prossecução de um interesse público, constitucional e/ou legalmente reconhecido – mesmo que não integrado na função administrativa.

No que ao Direito Ambiental concerne, em concreto, o artigo 45º da Lei de Bases do Ambiente sofreu uma evolução no mesmo sentido: outrora reconduzindo todo o contencioso ambiental à jurisdição comum, por intermédio da competência desta para apreciação de acções interpostas por actores populares para defesa de bens ambientais, este mesmo artigo admite hoje que a tutela do ambiente é igualmente accionável na jurisdição administrativa se com ela tiver conexão determinável pelas alíneas do art.º 4º do ETAF (ex vi do art.º 1º do mesmo diploma - e partindo do 212, nº3 CRP, conforme já se referiu).

As alínea a), b), h), i) absorvem já grande parte dos litígios em sede ambiental, sendo de notar que a al. b) se refere a autorizações administrativas concedidas pela administração quer a entes jurídico-públicos, quer a entes jurídico-privados. Isto porque o que aqui se discute é a decisão da administração de autorizar  o acto potencial ou efectivamente lesivo (no que aqui nos interessa, em matéria ambiental), que concretiza a relação jurídica administrativa por expressar um dever de protecção de um bem interesse público que serve de invólucro a todo o litígio e o transporta para a jurisdição administrativa.

A al. l), para além das zonas de sobreposição com a al. b), estende a tutela ambiental às acções ou omissões da administração, em si, potencialmente lesivas. A administração é aqui responsável por uma actuação material lesiva e já não pela autorização (prévia) de um acto lesivo.

E se esta actuação lesiva de valores e bens constitucionalmente protegidos for levada a cabo por privados, não represente o exercício de funções materialmente administrativas, e não se abrigue em qualquer autorização administrativa (fosse ela legalmente exigível ou não)?
Diz a Dr.ª Carla Amado Gomes que a jurisdição administrativa exerceria a sua força de atracção sobre o interesse público na preservação do património ambiental (art. 9º, e) e 66º, nº 2 CRP) que, consequentemente conferirá natureza pública ao objecto, lesão, e respectiva indemnização.  

No extremo, e atendendo à estrutura do bem ambiente, cabe ao particular escolher:
a) se pretende agir ao abrigo de uma legitimidade popular (2º, nº1 da L83/95 e 52, nº 3, a)), na prossecução de um interesse que é público, na medida dos benefícios colectivos a obter caso a acção proceda,
ou
b) se pretende agir ao abrigo de uma legitimidade singular, na prossecução de um interesse individual, na medida em que é o indivíduo o beneficiário directo, caso a acção proceda.  

De fora da jurisdição administrativa parecem ficar apenas as violações que constituam ilícito penal ou contra-ordenacional, bem como as violações decorrentes dos deveres impostos em sede de Código Civil, no âmbito das relações de vizinhança, por constituírem violações impróprias (porque mediatizadas por direitos reais ou de personalidade) ao Direito ao Ambiente.

P.S: publicado também aqui, aproveitando a transversalidade do tema - não sem risco de duplicar disparates.

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